TRABALHO E EDUCAÇÃO
A polissemia da categoria trabalho e a batalhas das idéias nas
sociedades de classe*
Gaudêncio Frigotto
Resumo
O presente artigo analisa, inicialmente, a polissemia da categoria trabalho como resultante de
uma construção histórico-social e, em nossa sociedade, com o sentido de dominação de classe. Em
seguida discute a abordagem de Sérgio Lessa que sustenta que a perda da precisão semântica do
vocábulo trabalho advém do abandono da análise imanente e ortodoxa do trabalho na perspectiva do livro
I de O Capital de Karl Marx e tem como conseqüência a não distinção entre proletários e trabalhadores e
a definição de quem é hoje a classe revolucionária. Este abandono, de um lado levaria a autores da
tradição crítica nas ciências sociais a darem adeus ao trabalho e a educadores, deste mesmo campo, ter a
ilusão de dimensões positivas da ciência e tecnologia e da educação politécnica ou omnilateral dentro da
sociedade capitalista. Numa mesma direção de análise Paulo Tumolo critica os educadores que vêem a
possibilidade da educação politécnica e do trabalho como principio educativo dentro da sociedade
capitalista. Com base em autores marxistas que pensam com Marx para além de Marx, o artigo conclui
que o deslocamento da perspectiva imanente e heurística para estudos e pesquisas do processo histórico
sobre trabalho, classe e classe revolucionária, conduziu a Lessa e Tumolo a uma análise centrada em
antinomias. O abandono na suas análises das contradições pode ter como conseqüência, certamente não
intencional, um duplo risco. O primeiro é de conduzir, no campo político, a um imobilismo e a um beco
sem saída, colocando para um imaginário futuro a tarefa de superação do trabalho, da ciência e da técnica
e da educação alienadores .O outro risco, este específico para o campo da educação, é de que, ao tratar as
análises dos pesquisadores criticados, mesmo com as ressalvas feitas, de ilusões ou lemas sem
consistência teórica, acabe-se reforçando as posturas conservadoras e neoconservadoras ou pós-modernas
já hegemônicas nestes tempos de capitalismo tardio..
Palavras chaves. Polissemia, trabalho, classe, classe revolucionário, tecnologia , Educação politécnica
Abstract
The present article at first examines the polysemy of the labour category as a result of a sociohistorical
construction and, in our society, with the meaning of class rule. Then it discusses the approach
of Brazilian writer Sérgio Lessa, who holds that the loss of semantic precision of the word labour derives
from the abandonment of the immanent and orthodox analysis of labour from the perspective of book I of
Karl Marx’s Capital and results in the non-distinction between proletarians and workers and the
definition of who is the revolutionary class today. This abandonment, on the one hand, would lead authors
within the critical tradition in the social sciences to give up labour and educators, within the same field, to
have the illusion of positive dimensions of science and technology and of polytechnical or omnilateral
education in a capitalist society. In the same direction of analysis, Brazilian Paulo Tumolo criticizes
educators who see the possibility of polytecnical education and labour as an educational principle in a
capitalist society. On the basis of Marxist authors who think with Marx beyond Marx, this article
concludes that the displacement from the immanent and heuristic perspective to studies and researches of
the historical process about labour, class and revolutionary class have led Lessa and Tumolo to a
antinomy-centred analysis. The abandonment of contradictions in their analyses may result in a double
risk, certainly not an intentional one. The first is to lead, in the political sphere, to immobilism and a
deadlock, leaving for an imaginary future the task of surpassing alienating labour, science, technique and
education. The other risk, this specific to the education, is that, by seeing the analyses of the researches
criticized as illusions or mottos with no theoretical consistency, even with the reservations made, the
conservative and neoconservative or post-modern postures already hegemonic in these times of late
capitalism are reinforced. .
* Agradeço a leitura de uma versão preliminar do texto e as ponderações que me foram feitas por Maria
Ciavatta, Eunice Trein, Sônia Maria Rummert, Marise N. Ramos e Carlos Roberto Alexandre. Muitas das
observações e indicações foram cruciais para o que resultou como versão final para discussão. Nenhum
deles, todavia, é responsável por lacunas ou posicionamentos que assumo no texto.
2
Keywords: Polysemy, labour, class, revolutionary class, technology, polytechnical education
Até os nossos dias, a história de toda a
sociedade tem sido a história das lutas de
classe (Marx e Engels, 1998)
Introdução
Diz-se que um termo é polissêmico quando é utilizado com várias significações.
Por exemplo, ao examinar as relações sociais de produção na especificidade da
sociedade capitalista, Marx mostra que produtivo é o trabalho que produz mais-valia.
Este, todavia, não é o sentido dado pelo pensamento liberal nem pelo senso comum. No
pensamento econômico liberal, é uma relação entre os insumos aplicados e o resultado
da produção. No sentido dicionarizado, usualmente trabalho produtivo é aquele que
rende mais, que produz mais ou é mais eficaz.
Neste texto, que visa estimular o debate sobre a relação trabalho, classe social e
educação não vou ater-me particularmente à dimensão semântica do trabalho para
evidenciar as mudanças de sentido sofridas do mesmo no tempo e no espaço. Primeiro
por não ser este meu campo de formação e, muito menos, de estudos e pesquisa.
Segundo, e fundamentalmente, porque no exemplo acima o cerne da questão não é uma
disputa semântica abstraída das relações sociais. Na sociedade capitalista é uma disputa
de classe que somente pode ser apreendida em sua historicidade dentro de uma
concepção dialética e no campo das contradições e não das antinomias.
A opção do encaminhamento que darei ao texto busca no legado de Marx a
compreensão de que não é a consciência, a teoria e a linguagem que criam a realidade,
mas elas são produzidas dentro e a partir de uma realidade histórica, sendo e tornandose,
porém, elas mesmas parte dessa realidade. Daí que, para Marx e Engels, nenhuma
idéia, preconceito, ideologia ou teoria deve deixar de ser examinada, já que todas elas se
constituem em elementos constitutivos da realidade e parte de determinadas práxis
(alienadas ou críticas).
A produção das idéias, de representações da consciência, está de início
diretamente entrelaçada à atividade material e ao intercâmbio material; (...) os
homens são produtores de suas representações, de suas idéias etc., mas os
homens reais e ativos (...). A consciência jamais pode ser outra do que o ser
3
consciente e o ser dos homens é seu processo de vida real (Marx & Engels,
1986, p. 36-37, grifo meu).
Esta compreensão conduz-me ao pressuposto de que os sentidos e significados
do trabalho resultam e constituem-se como parte das relações sociais em diferentes
épocas históricas e um ponto central da batalha das idéias na luta contra-hegemônica à
ideologia e à cultura burguesas Esse pressuposto, como conseqüência, leva-me ao
mesmo tempo a compreender e tratar as relações de produção e de reprodução sociais, a
linguagem, o pensamento e a cultura de forma histórico-dialética e, para não cairmos
numa discussão abstrata, atemporal ou – nos termos de Marx – escolástica, que o
sentido do trabalho, expresso pela linguagem e pelo pensamento, só pode ser
efetivamente real no campo contraditório da práxis e num determinado tempo e
contextos históricos.
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é
uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a
verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A
disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da práxis - é
uma questão puramente escolástica (Marx, 1986, p. 12).
Se por um lado, então, é crucial voltar aos textos de Marx e Engels e de outros
pensadores marxistas buscando seu sentido imanente e o rigor semântico como
exercício de não nos afastarmos dos fundamentos da concepção materialista-histórica da
realidade humana ou social e do método dialético de construção de sua compreensão, o
grande desafio, todavia, em nosso tempo, como adverte Francisco de Oliveira, é “não
alcançar-se a saturação histórica do concreto, isto é, não saber apanhar a multiplicidade
de determinações que fazem o concreto" (Oliveira, 1987a). Vale dizer, seguir o legado
de Marx e de Engels, que é “compreender toda a realidade em seu movimento, nas suas
‘tendências’ – portanto, na ‘unidade’ dos seus diferentes aspectos e ‘contradições’”
(Lefebvre, 1981, p. 295-296).
Ao abordar a concepção materialista de história, Engels, em carta a C. Schmidt,
adverte sobre o risco de seu uso apenas como rótulo.
Sobretudo a palavra “materialista” serve, na Alemanha, a muitos escritores
jovens como uma simples frase com que se rotula todo e qualquer estudo, ou
seja, coloca-se o rótulo e crê-se ter encerrado então o assunto (...). Toda a
história precisa ser reestudada, as condições de existência das diversas
formações sociais precisam ser examinadas em detalhe, antes de induzir delas as
correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas
etc. (Engels, 1983, p. 456).
4
Por certo, no plano mais geral, Edward Thompson, Raymond Williams, Eric
Hobsbawm, Antonio Gramsci e, no Brasil, Francisco de Oliveira e Florestan Fernandes,
Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, entre outros, são intelectuais pesquisadores
que pensam com Marx para além de Marx1. Ou seja, pensadores que, pela pesquisa e
análise sistemática, buscam não se afastar dos fundamentos e saturar as categorias e
conceitos (trabalho, classes sociais, Estado, cultura, democracia, luta de classe etc.), no
movimento mais universal do sistema do capital e na especificidade de diferentes
formações históricas capitalistas.
A construção da categoria capitalismo dependente, em Florestan Fernandes
(1975 e 1981) e Rui Mauro Marini (2000); a crítica da razão dualista atualizada, trinta
anos depois, com um texto sob a metáfora do ornitorrinco, em Francisco de Oliveira
(2003); e a análise da questão da democracia e da relação Estado e sociedade civil, em
Carlos Coutinho (2002), são abordagens que explicitam a especificidade do capitalismo
no Brasil dentro do movimento do sistema do capital. No âmbito mais geral, Francisco
de Oliveira (1998), em Surgimento do anti-valor, traz à luz a forma mediante a qual o
capital se reproduz e amplia cada vez mais dependendo do fundo público e as
conseqüências para a luta de classes da disputa por seu controle e manejo2. Konder
(1992 e 2001) dialoga sobre o pensamento de Marx no século XXI, o futuro da filosofia
da práxis e a leitura crítica da história.
Estas demarcações introdutórias objetivam explicitar a direção dentro da qual
gostaria de abordar dois pontos inter-relacionados.
No primeiro, busco sinalizar que a polissemia da categoria trabalho resulta de
uma construção social e, em nossa sociedade, com o sentido de dominação de classe. O
1 Tomo esta formulação de Wolfgang Leo Maar (2006) em um texto no qual aborda a Teoria crítica da
sociedade brasileira de Francisco de Oliveira. Trata-se de uma expressão precisa que sintetiza a forma
mais radical de ser fiel ao pensamento de Marx: trabalhar o presente na relação entre o estrutural e o
conjuntural dentro de sua concepção materialista histórica da realidade e o método materialista histórico
de compreendê-la, que implica, em cada formação histórica, identificar e analisar as mediações e
contradições que produzem a realidade humano-social em sua particularidade, singularidade e
universalidade.
2 Por uma destas raras coincidências, exatamente no dia 29 de setembro de 2008, declarado o pior da
história das bolsas ou da jogatina do capital fictício onde o fundo público americano anunciava que
injetaria US$ 700 bilhões para socorrer a hecatombe do livre mercado e o mesmo rumo foi seguido para
segurar a quebradeira na Europa, Francisco de Oliveira encerrou, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, com o debate sobre o sentido atual do Manifesto Comunista, um curso livre sobre obras de Marx.
Não só pôde reiterar que “tudo o que é sólido se desmancha no ar” como sentir que o que anunciou
exatamente uma década atrás, em seu livro Surgimento do anti-valor, assume agora uma evidência
histórica contundente e para o sistema capital em conjunto.
5
grande desafio é apreender, no tecido social do senso comum, das religiões e das idéias
do pensamento e da ciência positivista e pragmática dominante, qual o mosaico de
sentidos que assume o trabalho.
No segundo, que tem origem e está vinculado ao primeiro, ocupo-me de dois
aspectos também imbricados. Em recente livro, Sergio Lessa (2007) aborda a perda da
precisão semântica do vocábulo trabalho e as conseqüências para definição de quem é,
hoje, o proletariado, a distinção entre proletários e trabalhadores e o que é hoje a classe
revolucionária. Partindo da análise da compreensão ontológica de trabalho numa
perspectiva imanente e dentro da ortodoxia e centrado particularmente no Livro I de O
Capital, justificando sua prioridade exegética, salienta que, em Marx, por trabalho se
entende o intercâmbio orgânico do ser humano com a natureza e a atividade que
transforma a matéria natural. Compreensão esta que, para Lessa, permite definir quem
é hoje o proletariado e a classe revolucionária.
Sobre esta base, analisa parte da obra de três autores brasileiros: Ricardo
Antunes, Marilda Villela Iamamoto e Dermeval Saviani, e sustenta que estes, por perda
dessa precisão, dão o adeus ao trabalho no Brasil3 e à identificação de quem pertence
ou não ao proletariado e à classe revolucionária. Ao abordar a obra de Saviani e
referindo-se a alguns dos mais significativos pedagogos de esquerda, destaca que essa
incompreensão semântica “tornou aos educadores mais complicada e difícil a percepção
da essência das transformações em curso: a passagem de um patamar mais elevado de
extração de mais-valia, uma intensificação dos processo alienantes oriundos do capital”
(Lessa, 2007, p. 121). Para ele, isso decorre de ilusões de Saviani e desses pedagogos da
possibilidade, sob o sistema capitalista, da existência de alguma positividade do
desenvolvimento científico e tecnológico, dos avanços das forças produtivas ou de que
as transformações que possam ser disputadas e capturadas pelas forças comprometidas
pela emancipação humana. Da mesma forma, decorrem as ilusões sobre a possibilidade
de construir uma educação geral, omnilateral ou politécnica dentro do sistema
capitalista.
Na mesma direção de análise imanente de textos de Marx feita por Tumolo
(2003), procuro analisar as implicações, no plano teórico e político-prático, da defesa
que ele busca sustentar de que o trabalho, sob o sistema do capital, não pode ser
3 Lessa refere-se às teses do fim do trabalho desenvolvendo, em seu livro, três capítulos. No primeiro, o
adeus ao trabalho dado por S. Malett e André Gorz; no segundo, o adeus ao trabalho de M. Sabel a J.
6
entendido e pensado como principio educativo, isto porque é cada vez mais alienante.
Ou seja, o trabalho, neste caso, seria pura negatividade e por isso impensável como
principio educativo.
Registro de imediato que as objeções que explicito nesta discussão não se
referem à pertinência de efetivar análises imanentes dos textos de Marx ou outros
pensadores clássicos. Portanto, o intuito não é desclassificar ou menosprezar sua
produção. Pelo contrário, entendo essas análises como um trabalho intelectual
fundamental, com o qual compartilho. Da mesma forma, compartilho da crítica relativa
à forma cada vez mais destrutiva e violenta do sistema do capital e de sua natureza não
reformável.
O ponto crucial a ser debatido é a passagem da compreensão imanente do
trabalho, da classe proletária e do sujeito revolucionário, para a análise ou julgamento
de trabalhos que se centram, há décadas, em desenvolver pesquisa histórico-empírica e
que pensam com Marx para além de Marx.
O que procurarei mostrar é que as análises de Lessa e Tumolo, na especificidade
e natureza diversa dos dois trabalhos a que me refiro neste artigo, podem estar
incorrendo nessa impropriedade. Isso pode ter como conseqüência, ainda que não
intencional, em nome da imanência e da ortodoxia, por um lado, congelar a saturação
histórica das categorias e conceitos e, com isso, o legado fundamental de Marx de
perquirir a relação do estrutural e conjuntural no tempo e no espaço, nas mediações e
contradições singulares, particulares e universais da realidade que queremos
compreender; e, por outro, conduzir ao imobilismo no plano da práxis, ponto nodal da
luta de classes para a superação das relações sociais capitalistas.
As mediações histórico-sociais da polissemia da categoria trabalho
e a batalha das idéias
A proposta do tema polissemia do trabalho, de início, trouxe-me desconforto.
De um lado, por não ter acompanhado a natureza do debate ou a controvérsia que
gerou; de outro, pelo receio de que o tema pudesse conduzir a discussões muito
descoladas das questões que emergem da vida real dos trabalhadores: dos diretamente
Lojkine e Adamn Shaff; e, finalmente, no terceiro capitulo dedica-se ao adeus ao trabalho no Brasil dado
pelos autores mencionados.
7
superexplorados ou pela extração da mais-valia (trabalho produtivo, em termos de
Marx) ou superexplorados em atividades, serviços no campo da educação, cultura,
saúde etc., nas diferentes esferas do Estado (trabalho improdutivo) ou jogados na vala
comum da precariedade da grande maioria dos que atuam na informalidade ou
diretamente não necessários à produção4. Aí a disputa dos sentidos do trabalho poderia
estar isolada da práxis e tornar-se uma discussão puramente escolástica.
Esse desconforto foi se desfazendo e fui percebendo a pertinência e a
necessidade deste debate, na direção apontada, especialmente pelas conseqüências que
podem advir de um encaminhamento das questões postas se perdermos de vista que o
objetivo fundamental é a crítica das relações sociais e dos processos formativos e
educativos que reproduzem o sistema do capital e todas as suas formas de alienação.
Mas, concomitantemente, na luta contra-hegemônica e no terreno contraditório que a
realidade histórica (realidade rebelde, na expressão de Gramsci) nos coloca para a
travessia, onde a disputa cultural e do sentido da ciência, tecnologia e dos processos
educativos na sociedade e na escola se constituem em mediações cruciais na
possibilidade de superação do sistema do capital
Todavia, o entendimento da pertinência do tema carregou consigo uma enorme
perplexidade pela natureza complexa da tarefa; neste artigo, o que posso alcançar é
apenas a problematização e uma abordagem introdutória. Como efeito, quando
escrevemos nossos textos supondo que os leitores – alunos de graduação e de pósgraduação,
professores que atuam nas redes de ensino público e privado ou lideranças
de movimentos sociais e sindicatos etc. – apreendam os sentidos e distinções que foram
sendo construídas sobre trabalho na sua dimensão ontológica, principio educativo ou
trabalho alienado por sua subordinação ou subsunção real; trabalho concreto e
abstrato, produtivo e improdutivo, trabalho material e imaterial e mundo da
necessidade e da liberdade etc., por certo, estamos ignorando lições que a literatura
marxista engendra.
4 A categoria de trabalho informal, por diferentes razões, no desmanche e precarização do trabalho, não
dá conta de nos ajudar a aprender os “mundos do trabalho” (Hobsbawm, 1987) daqueles que não são
incorporados diretamente no emprego formal. Ver Tavares (2004). Uma realidade que advém, como
Marx indicava nos Manuscritos econômicos, da forma que se desenvolve, sob o capitalismo, a atividade
humana. “Substitui o trabalho por máquina, mas lança parte dos trabalhadores de volta a um trabalho
bárbaro e faz da outra parte máquinas” (Marx, 2004, p. 82).
8
O fato de crescente contingente da população que tem experiência concreta de
classe trabalhadora brasileira sem que, como indica Edward P. Thompson5, tenha
consciência de classe acredite, ao seguir a Igreja Universal ou congêneres, que
presencia milagres, exorcismos e prosperidade não é uma quimera. É um dado real
existencial que tem de ser, primeiramente, entendido como indica Marx ao discutir a
religião na Introdução à crítica da filosofia do direito em Hegel e na Questão judaica.
É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião
não faz o homem. [...] Mas o homem não é um ser abstrato, ancorado fora do
mundo. [...] a miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da
miséria real e o protesto contra a miséria real (Marx, 2006, p. 145).
A razão fundamental, então, da necessidade de compreender a polissemia da
categoria trabalho não é apenas e, sobretudo, semântica, teórica e epistemológica, ainda
que mediada por essas dimensões, mas de natureza histórico-social, ontológica e éticopolítica.
Por certo o mais comum é que a grande massa dos que pertencem e têm
experiência real de classe trabalhadora e que não necessariamente têm consciência de
classe tome trabalho e empregocomo sinônimos, assim como o de classe como um
contínuo de estratificações, um senso comum imposto pelo pensamento sociológico,
econômico e político e sedimentado dia a dia pela mídia: classe A, B, C, D, E...
Do mesmo modo, é difícil que a grande maioria dos professores, mesmo com
níveis de escolaridade elevados, compreenda por que, se de manhã eles trabalham numa
escola privada (na qual são explorados) e pela tarde trabalham numa escola do Estado
desmantelada ( na qual também são explorados), pela manhã seu trabalho é produtivo e
pela tarde é improdutivo, ou por que, pelo fato de serem professores, não são proletários
ainda que trabalhadores expropriados. Por outro lado, é comum que, em pesquisas com
mulheres que fazem trabalho doméstico, embora tenham jornada tripla de trabalho,
afirmem que não trabalham. Todas essas situações expressam uma determinada
filosofia, popular ou científica, certa prática econômica e hegemonia política.
5 A obra do pensador marxista Edward P. Thompson tem a particularidade de ser produzida pela pesquisa
histórica e a intensa vivência como educador popular. Por isso, sua produção sobre a formação da classe
operária inglesa ou, como ele mesmo expressa, o fazer-se classe operária envolve tanto as dimensões
econômicas e políticas quanto as culturais mediadas por experiências, tradições, sistema de valores e
vivências concretas. Ver Thompson (1987a, 1987b, 1987c e 1981).
9
Por isso, num terreno mais profundo da construção dos sentidos de trabalho que
coexistem na sociedade brasileira hoje, a indicação de Gramsci sobre concepção de
mundo é de extrema pertinência.
Quando a concepção de mundo não é critica e coerente, mas ocasional e
desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homensmassa,
nossa própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se
encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais
moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas,
grosseiramente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do
gênero humano mundialmente unificado (Gramsci, 1978, p. 13).
Isto indica que captar os sentidos e significados do trabalho na experiência social
e cultural das massas de trabalhadores é tarefa complexa e implica analisar como se
produz a sociedade nos âmbitos da economia, da cultura, da política, da arte e da
educação. Na perspectiva de Florestan Fernandes, implica
[...] repor o intelectual no circuito das relações e conflito de classe [...]. Mas de
nada adiantaria uma retórica ultra-radical de condenação e de expiação: o
intelectual não cria o mundo no qual vive. Ele já faz muito quando consegue
ajudar a compreendê-lo e explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração
real” (Fernandes, 1980, p. 231.)
Posta a compreensão da polissemia da categoria trabalho nesta perspectiva,
percebo que em parte ela está em curso, mas que a tarefa é imensa e demanda o esforço
de pesquisa de um amplo coletivo. No escopo deste texto, é possível apenas sinalizar o
que está sendo produzido no debate da polissemia da categoria trabalho e delinear, no
campo marxista, onde percebo as fontes teóricas que pensam com Marx e que vão além
de Marx para avançar neste terreno.
Este segundo aspecto permite encaminhar a direção do debate dos pontos
seguintes da importância de ir-se aos fundamentos do pensamento de Marx, Engels etc.,
mas que, concomitantemente a esses fundamentos, eles têm de ser historicizados na
linha da advertência de Engels, de que formações sociais precisam ser examinadas em
detalhe antes de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas,
estéticas, filosóficas, religiosas. Para Engels, “analisando as tendências de seu tempo
sem esse cuidado o fraseado do materialismo histórico somente serve para que os
jovens construam às pressas, a partir de seus conhecimentos históricos escassos [...]
todo um sistema e aparecem, então para si próprios como colossais” (Engels, 1983, p.
457).
10
Indicações sobre a polissemia da categoria trabalho, emprego e classe social
Um breve inventário evidencia que, tanto dentro da perspectiva marxista
quanto dentro de outras perspectivas, há pesquisas que se ocuparam primeiramente de
discutir diferentes qualificações que recebe o termo trabalho. Num nível mais simples,
mas importante, encontramos verbetes, com algum detalhe, sobre as várias
qualificações. Uma segunda dimensão, mais complexa, é buscar apreender o sentido
delas em sua historicidade e como são apreendidas na vida real da classe trabalhadora.
Sobre o primeiro aspecto, em relação ao trabalho, apenas para exemplificar,
no Dicionário do pensamento marxista de Tom Bottomore (1988) encontramos
especificações sobre trabalho abstrato, trabalho doméstico, divisão do trabalho, trabalho
e força de trabalho e a natureza do trabalho na transição para o socialismo. Na literatura
brasileira, dois textos recentes têm clara preocupação de abordar as várias dimensões
em que o trabalho é tratado com fins pedagógicos. Recentemente, a Escola Politécnica
Joaquim Venâncio (2006) publicou o Dicionário da educação profissional em saúde, no
qual diferentes autores abordam os verbetes sobre trabalho, trabalho abstrato, trabalho
concreto, trabalho simples e complexo, trabalho real e trabalho prescrito, divisão social
do trabalho e divisão técnica do trabalho. Com o mesmo propósito, Catani (2002),
organizou um dicionário sobre trabalho e tecnologia focando, sobretudo, as formas de
organização do trabalho.
Estas produções ajudam para uma primeira e importante aproximação das
diferentes dimensões do significado e dos sentidos em que o trabalho, dentro de uma
perspectiva marxista, é abordado e indicam as fontes nas quais os leitores podem
aprofundar tal compreensão e situar-se no debate. Algumas dessas dimensões renderam
vários trabalhos, como a questão do trabalho produtivo e improdutivo em Marx6.
Num horizonte de dimensão mais complexa, porque implica captar as
múltiplas mediações constitutivas da polissemia do trabalho social e historicamente
produzidas, encontramos a contribuição de diferentes trabalhos no debate marxista ou
não. Um pequeno texto de Nosella (1989) foi, sem dúvida, o primeiro dentro do GT
6 Ver a esse respeito, entre outros autores que efetivam esse debate: Rosdolsky (2001), Mandel (1998),
Robin (1980) e Napoleoni (1981) e Singer (1981).
11
Trabalho e Educação a sinalizar os sentidos que assume a categoria trabalho na
Antiguidade, na sociedade moderna burguesa e como se anuncia dentro da utopia de
uma sociedade sem classes. Um texto que demarca, pois, a historicidade dos sentidos e
significados que assume o trabalho.
Uma coletânea organizada por Danile Mercure e Jean Spurk, publicada na
França em 2003 e traduzida pela Editora Vozes em 2005, dentro de uma abordagem não
especificamente marxista, propõe uma ampla compreensão da noção de trabalho no
pensamento ocidental desde o mundo grego até a moderna sociedade burguesa.
Outros estudos buscam explicitar como surgiu e se desenvolveu o sentido que
temos hoje de trabalho reduzido a emprego como quantidade de tempo pago por uma
determinada atividade. Naredo (2006) efetiva uma análise na qual examina os valores,
concepções e modos de vida que predominaram antes que se tivesse a idéia atual de
trabalho. Em seguida, mostra a gênese da visão produtivista de trabalho ao longo do
século XVIII, quando o modo de produção capitalista torna-se dominante e se
desenvolve a idéia de riqueza, produção e de sistema econômico. Por fim, analisa as
determinações que estão provocando a crise da função produtivista e social que se
atribuía ao trabalho em nossas sociedades. A relevância de sua análise, concorde-se ou
não com ela, situa-se em mostrar as conexões entre ciência, ideologia e sociedade e
entre linguagem e pensamento.
No campo da batalha das idéias como espaço de luta de classe, tem sido
importante o desenvolvimento de textos, partindo especialmente da obra de Lukács
(1976 e 2004) sobre a ontologia do ser social em Marx, que tratam o trabalho na sua
dimensão ontocriativa, em contraposição às formas históricas que assume, mormente o
trabalho sob os modos de produção escravocrata ou servil e capitalista.
Na sua dimensão ontocriativa, explicita-se que, diferente do animal, que é
regulado e programado por sua natureza, por isso não projeta sua existência, não a
modifica, mas adapta-se e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e
recriam, pela ação consciente do trabalho, sua própria existência.
Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo
com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força
natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
12
corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria
natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento,
sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo,
sua própria natureza (Marx, 1983, p. 149).
Sob essa compreensão, o trabalho, como nos mostra Kosik (1968), é um
processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade. Por isso
ele não se reduz à atividade laborativa ou emprego. Mészáros (1981) traz uma
distinção importante entre trabalho como mediação de primeira ordem, em Marx
processo antediluviano entre o homem e a natureza, para designar sua compreensão
ontológica de trabalho, e mediação de segunda ordem, para designar as formas
históricas que ele assume. Dos autores brasileiros, destacaram-se nessa tarefa
especialmente Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, José Paulo Neto, Ricardo
Antunes. No esforço de compreender o trabalho, “os mundos do trabalho” no
movimento histórico social, destaco os trabalhos de Antunes (1999, 2006). Não cabe
aqui retomar esse debate por serem as obras desses autores amplamente difundidas.
No que concerne aos aspectos que busco ressaltar sobre a historicidade dos
sentidos do trabalho, emprego e classe social a análise mais fecunda e densa a
encontramos na tradição marxista anglo-saxônica, especialmente em Eric Hobsbawm,
Raymond Willians e Eduard Thompson. No Brasil, na mesma direção, destacam-se as
análises de Francisco de Oliveira e Florestan Fernandes. Neste item tomo apenas um
aspecto que ao meu juízo permite uma ponte para o diálogo sobre os fundamentos do
pensamento de Marx e a necessidade de, a partir dos mesmos, buscar compreender o
presente7.
Raymond Williams, ao tratar a teoria da cultura construindo o que denominou
materialismo cultural, indica a tarefa por fazer para entender como as categorias
trabalho, emprego e classe social vão assumindo diferentes significados. Trata-se do
esforço de saturar as categorias de historicidade. Com base em seu materialismo
cultural, vai tratar de um vocabulário de cultura e sociedade (Williams, 2007). Entre
outras palavras ou categorias, mostra os diferentes sentidos que vão assumir trabalho,
emprego e classe social.
O materialismo cultural, nos termos colocados por Williams é entendido
7. Parece-me, neste particular, pertinente a análise que Perry Anderson (1985) nos oferece sobre o
marxismo ocidental. Indica-nos Anderson que quando a tradição marxista francesa enveredou na análise
do discurso perdeu a batalha das idéias já que neste terreno o estruturalismo é imbatível. Ao contrário, a
13
[...] como um processo produtivo (material e social) e das práticas específicas,
as “artes”, como usos sociais de meios materiais de produção (da linguagem
como consciência prática às tecnologias específicas da escrita e de formas da
escrita, passando pelos sistemas eletrônicos e mecânicos de comunicação)
(Cevasco, apud Williams, 2007, p.17-18 ).
Tomando a ênfase de Gramsci sobre a questão da hegemonia, Williams, num
texto provocativo – Você é um marxista, é você marxista?8 –, explicita como se efetiva
a dominação de classe na relação poder, propriedade privada e cultura.
Podemos então afirmar que a dominação essencial de determinada classe na
sociedade mantém-se não somente, ainda que certamente se for necessário,
pelo poder, e não apenas, ainda que sempre pela propriedade. Ela se mantém
também inevitavelmente pela cultura do vivido: aquela saturação do hábito, da
experiência, dos modos de ver, que é continuamente renovada em todas as
etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas e no interior de
significados definidos... (Williams, 2007, p. 14).
É dentro dessa perspectiva que Williams dá pistas de como as palavras e as
categorias vão construindo, no tecido social e cultural, os diferentes sentidos, estando
estes atravessados pela dominação de classe. Assim, trabalho no sentido de fazer algo
ou a algo feito tem uma ampla gama de aplicações. Mostra Williams a forte relação
entre trabalho e labor (labour) em seu sentido medieval de faina e de dor. Já no século
XIII, “os trabalhadores manuais receberam a designação de laboures (trabalhadores,
operários), e a oferta desse tipo de trabalho generalizou-se como mão-de-obra (labour)
desde o século XVII. Trabalho adquiriu então um sentido mais geral de atividade”
(idem, ibidem, p. 396).
É com o desenvolvimento das relações sociais produtivas capitalistas que o
trabalho assume o sentido de emprego remunerado e trabalhador para designar a classe
trabalhadora.
Estar empregado (to be in work) ou desempregado (to be out of work) era
estabelecer uma relação definida com pessoa que controlava os meios do
esforço produtivo. Então trabalho deslocou-se, em parte, do próprio esforço
produtivo para a relação social dominante. É somente neste sentido que se pode
dizer que uma mulher que cuida da casa e cria os filhos não trabalha (idem,
ibidem, p. 397,).
A redução do trabalho de atividade vital do ser humano para produzir seus meios
de vida a emprego vincula-se, pois, a uma dupla determinação: o desenvolvimento
tradição anglo-saxônica manteve-se fiel a Marx e Engels na pesquisa histórica, terreno onde se pode
superar o estruturalismo. ( Anderson, 1985).
14
concomitante da palavra trabalho, do termo emprego e das relações sociais dominantes.
Assim Williams mostra que o termo emprego tem origem obscura e bastante coloquial
no sentido de lump (massa informe, monte) ou de piece (pedaço, parte). É no século
XVII que assume o sentido de quantidade limitada de trabalho. Assim, “jobbing
(trabalho de empreitada) e jobber (trabalhador de empreitada), em sentido ainda
vigentes, passaram a significar a execução de pequenos trabalhos ocasionais” (idem,
ibidem, p. 398). De seu sentido restrito e, por vezes, pejorativo, como jobbery
(traficância, negociata), passou a ter uso mais universal e comum para designar
ocupação regular e paga.
Os termos trabalho e emprego, mostra-nos Williams, interagiram tanto no seu
desenvolvimento interno quanto em sua inter-relação. Com efeito, com o
desenvolvimento do modo de produção capitalista, o trabalho, na sua dimensão
ontológica, forma específica da criação do ser social, é reduzido a emprego – uma
quantidade de tempo vendida ou trocada por alguma forma de pagamento. Dessa
redução ideológica resulta que, no senso comum, a grande maioria das pessoas entenda
como não trabalho o cuidar da casa, cuidar dos filhos etc.
Quando relacionamos o trabalho e o trabalhador ao sentido de classe e classe
social, eles ganham novas determinações, também histórica e socialmente construídas.
Por isso, é crucial, ainda que de forma breve, que se faça, com Williams, o mesmo
percurso de trabalho e emprego com o termo classe social9.
De imediato Williams assinala que o termo classe é duplamente complexo.
Primeiro, pela amplitude dos sentidos que assume; segundo, na complexidade dos
significados que ela assume na divisão social. Na sua origem tinha um sentido restrito
relacionado à propriedade.
Classis se referia a uma divisão de acordo com a propriedade que possuíam os
romanos.[...] logo o uso se ampliou, primeiro como termo de organização
eclesiástica (as assembléias ou classes ou sínodos) e, mais tarde, um termo geral
para divisão ou grupo (classe das plantas). (idem, ibidem, p. 85).
A historicidade da construção e do desenvolvimento de classe no seu sentido
moderno para designar classes sociais específicas é enfatizado por Williams ao mostrar
que o mesmo se define entre os anos 1770 e 1840, justamente o período da Revolução
8 Ver Raymond Williams, “You`re a Marxist, Aren`t You? (Williams, 2007, p. 14). Para um
aprofudanamento do seu pensamento, ver, também, Willians, 1969 e 1979.
15
Industrial e da reorganização decisiva da sociedade. “A história da introdução de classe
como uma palavra que substituiria designações mais antigas para as divisões sociais tem
relação cada vez maior de que a posição social é construída e não simplesmente
herdada” (idem, ibidem, p. 87). A perspectiva política do sentido de classe social se
afirma e se impõe com as revoluções americana e francesa, mas não sem dificuldades,
tanto pela resistência dos pensadores conservadores quanto pela superposição de
sentidos. É nesse contexto que surge a categorização de classe baixa, média e alta.
Segundo Williams, nos embates sobre direitos políticos, sociais e econômicos, a
partir de 1790, um novo sentido contrapõe:
[...] as classes produtoras ou úteis (trabalhadores, artesãos, comerciantes e toda
a profissão útil à sociedade) à classe privilegiada (sacerdotes, cortesãos,
contadores públicos, comandantes de tropas, em resumo os agentes civis e
militares ou religiosos do governo)10. Ou seja, uma contraposição que
caracteriza as classes trabalhadoras como classes úteis ou produtivas para
distinguir-se e opor-se aos privilegiados ou ociosos. Esse uso, que se combina
de modo peculiar com o modelo de mais baixa, média e mais alta, conservou-se
importante e ao mesmo tempo confuso (idem, ibidem, p. 89)
De acordo com Williams, Owen, em 1818, foi quem empregou por primeiro a
denominação classes trabalhadoras “no contexto específico e inconfundível das relações
entre ‘trabalhadores’ e ‘seus empregadores’” (idem, ibidem, p. 90). A partir de 1840, a
expressão classe trabalhadora, no singular, foi sendo usada nas análises socialistas; no
plural, nas descrições conservadoras.
Ao mesmo tempo que o sentido e o significado de classe social vão se
consolidando, mostra-nos Williams que eles carregam ambigüidades que se mantêm até
hoje, tanto no terreno não marxista quanto no marxista. A ambigüidade, ainda em 1844,
dava-se entre trabalhador e operário. Para Cockburn, os únicos trabalhadores eram
aqueles que trabalhavam com as mãos, embora tanto para trabalhador como para
operário houvesse a referência a trabalho manual.
Uma lei de 1875 estabeleceu uma definição jurídica para essa situação: a
expressão trabalhador (...) refere-se a qualquer pessoa que, sendo operário,
criado doméstico, jornaleiro, artífice, artesão ou que se dedique a qualquer
trabalho manual (...), foi contratada ou trabalha para um empregador (idem,
ibidem, p. 91).
9 Isso é particularmente importante para, na próxima seção, mostrar alguns aspectos no mínimo
problemáticos das posições de Lessa e Tumolo nas críticas que efetivam a produções de pesquisadores no
campo social e educacional.
16
Do mesmo modo se anota a divisão binária ou tripartite de classe, tanto
indicando ordens ou posições sociais (alta, média e baixa) ou agrupamentos econômicos
(empregadores e empregados), ou ainda, nas categorizações de John Stuart Mill
(proprietários da terra, capitalistas e trabalhadores) e em Marx no volume III de O
Capital (trabalhadores assalariados, capitalistas e proprietários de terra) (idem,
ibidem, p. 94). Com o desenvolvimento capitalista, na linguagem marxista prevaleceu a
divisão binária entre burguesia e proletariado.
Williams e Thompson trazem indicações importantes para o desenvolvimento do
próximo item sobre as tensões no âmbito marxista e mesmo em Marx ao mostrar a
distinção da classe em termos de relações econômicas, que pode ser uma categoria
como de assalariados, e a classe enquanto formação social no plano histórico. Para
Williams, Marx usa os dois sentidos, sendo que a descrição de classe mais freqüente
utilizada por ele é de classe como formação, exemplificando com um texto da Ideologia
Alemã e outro de O Dezoito Brumário.
Os indivíduos singulares formam uma classe somente na medida em que têm de
promover uma luta contra outra classe; de resto, eles mesmos se posicionam uns contra
os outros, como inimigos na concorrência (ideologia Alemã.. (Marx, apud Willians, op.
cit. p. 94).
Em seguida, todavia, indica Williams, a classe em Marx aparece como categoria
econômica, incluindo todos os que estão objetivamente naquela situação econômica e
como formação.
Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições
econômicas que as separam umas das outras, e opõem seu modo de vida, seus
interesses e sua cultura aos de outras classes da sociedade, esses milhões
formam uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos
camponeses apenas uma ligação local, em que a similitude de seus interesses
não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem
organização política, nesta exata medida não constituem uma classe11 (O
Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte, ( Marx, apud Willians, op cit. p. 95.
Essa dificuldade, para Williams, evidencia-se também no debate entre
consciência de classe e classe objetivamente medida:
10 Essa distinção é apresentada por Williams pór meio de uma citação do livro de Volnei, publicado em
1795: The Ruins of de Revolutions of Empires. Ver Williams, 2007, p. 89.
11 Nesta passagem de análise histórica concreta fica evidente quando Marx se refere às classes
fundamentais que definem a estrutura específica do modo de produção capitalista – proprietários privados
dos meios e instrumentos de produção e trabalhadores que vendem sua força de trabalho – de outras
classes que se articulam às mesmas.
17
É evidente que consciência de classe só pode pertencer a uma formação. Luta
de classe, conflito de classes, guerras de classes, legislação classista,
preconceito de classe dependem da existência de formações, embora isso possa
ser muito desigual ou parcial no interior das classes e entre elas (idem, ibidem,
p. 95).
Um exemplo emblemático do tema a que se refere Williams é o debate entre
Edward P. Thompson e Perry Anderson. Para este, a análise do primeiro, ao centrar-se
sobre experiência de classe, elide a classe como estrutura objetiva, tese da qual Ellen M.
Wood não compartilha, evidenciando que Thompson não nega a existência de uma
estrutura objetiva de classe, mas indica o fato de que a grande maioria dos que
estruturalmente pertencem à classe trabalhadora e vivem objetivamente a experiência
dessa classe não tem consciência de classe12.
Thompson, na mesma direção, dá uma indicação ainda mais clara sobre distintas
formas de abordar a questão da classe.
Ao tomarmos a classe como categoria historiográfica, poderemos ver
historiadores dispondo do conceito com dois significados diferentes: a) com
referência ao conteúdo histórico correspondente, empiricamente verificável; e
b) como categoria heurística ou analítica, recurso para organizar uma evidência
histórica cuja evidência direta é muito mais escassa. No meu modo de ver, tal
conceito pode ser adotado com propriedade em ambos os sentidos. Todavia,
confusões geralmente surgem quando nos deslocamos de uma acepção para
outra (Thompson, 2008, p. 1, grifos meus )13. .
Do exposto até aqui fica claro que trabalho, emprego e classe social estão, em
seu desenvolvimento, imbricados e os sentidos e significados que assumem têm
determinações histórico-sociais. Para o que o GT Trabalho e Educação tem como
horizonte básico, desde sua origem, de um trabalho teórico que ajude a entender as
relações entre trabalho, relações sociais capitalistas e educação numa perspectiva de luta
de classes, parece-nos crucial o que é, para Williams, em nossos dias, uma crítica
militante.
[...] sei que há um trabalho fundamental a ser feito em relação à hegemonia
cultural. Acredito que o sistema de significados e valores que a sociedade
capitalista gera tem de ser derrotado no geral e no detalhe por meio de um
trabalho intelectual e educacional contínuo. (...) temos de aprender e ensinar uns
aos outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez,
mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que
são os nossos recursos em qualquer forma de luta (Cevasco apud Williams, 2007,
p. 15).
12 Ver, a esse respeito, Wood (2003).
13 De um texto publicado pela revista eletrônica Marxismo Revolucionário Atual. 2008. (www.mra.org.br)
e extraído da coletânea As peculiaridades dos ingleses e outros artigos (Negro e Silva, 2007).
18
Essa advertência, do aprender e ensinar uns aos outros, é também repleta de
indicações e lições para a natureza do debate do ponto a seguir se nosso objetivo
comum é fortalecer as lutas que buscam não simplesmente reformar o capitalismo, mas
sua superação.
A compreensão imanente e a historicidade dos fundamentos
do pensamento de Marx
A breve análise até aqui desenvolvida revela que os termos ou categorias ou
conceitos discutidos têm suas variações de sentido marcadas pelo desenvolvimento
histórico-cultural, por valores, tradições, por concepções ideológicas e disputas sociais.
Marx e Engels desenvolveram suas análises no contexto onde os mesmos se consolidam
dentro da definição do modo de produção capitalista como forma dominante de relações
sociais. O que Marx e Engels fizeram foi, mediante pesquisa meticulosa, dar-lhes rigor
científico dentro da concepção histórica de realidade social e do método do
materialismo histórico-dialético14. Assim mesmo, como destaca acima Williams, suas
análises não ficaram livres de ambigüidades que rendem polêmicas até o presente.
Nesta seção busco discutir o posicionamento sobre a análise imanente ou dentro
da ortodoxia (Lessa, 2007) de parte da obra de Marx e suas implicações teóricas no
plano da ação política, especialmente, ainda que não só, no campo educacional.
O esforço de análises dentro de uma perspectiva imanente e heurística, como foi
assinalado na introdução e sublinhado por Thompson, não só é pertinente como de
crucial importância para afirmar os fundamentos das contribuições de Marx e Engels e
de outros marxistas que seguiram seu legado. Assim, o esforço dos trabalhos de Sérgio
Lessa e sua contribuição na explicitação da ontologia do ser social de Marx e concepção
ontológica de trabalho são de enorme relevância.
As ponderações que coloco a seguir referem-se a seu livro Trabalho e
proletariado no capitalismo contemporâneo (2007), no qual, a partir de uma
compreensão imanente do trabalho em Marx, centrado sobretudo no livro I de O capital,
efetiva críticas a diferentes autores do campo social e educacional nos aspectos
destacados na introdução deste texto, cujas análises se esforçam para entender o
14 Num texto produzido na década de 1980, analiso a dialética materialista histórica como uma postura ou
concepção de realidade histórica, um método e uma práxis para caracterizar aspectos inseparáveis da
análise de Marx e Engels (Frigotto, 1989).
19
trabalho, as classes sociais, a ciência e tecnologia e os processos educativos no seu
desdobramento e desenvolvimento históricos.
Mesmo que Lessa chame atenção para a questão histórica e para as mediações,
de forma insistente, por diferentes razões a ênfase de sua análise parece fixar-se no
plano da categorização, referido por Williams, e de um procedimento heurístico nos
termos colocados por Thompson, que enfatiza ser a classe no seu sentido heurístico
inseparável da luta de classes:
Em meu juízo foi dada excessiva atenção, freqüentemente de maneira ahistórica,
à “classe” e muito pouca, ao contrário, à luta de classe. Na verdade, na
medida que é mais universal, luta de classes me parece ser o conceito
prioritário. Talvez diga isso porque luta de classes é evidentemente um conceito
histórico, pois implica um processo, e portanto seja o filósofo, o sociólogo ou o
criador de teorias, todos têm dificuldades em utilizá-lo. Para dizê-lo com todas
as letras: as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor,
acham um inimigo de classe e partem para a batalha [...]. Classe e consciência
de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico
(Thompson, op.cit. p. 2).
Na minha leitura, o foco na imanência e numa compreensão heurística do
trabalho, do proletariado e do sujeito revolucionário é que conduz Lessa no texto aqui
referido, ao trabalhar mais com antinomias do que com a contradição, e portanto com
excessiva atenção ao que é trabalho, proletariado e classe, em detrimento ao
movimento histórico de como se produz o trabalho, o proletariado e a luta de classes
como processos históricos. Daí, penso, advêm as dificuldades de reconhecer o caráter
contraditório, como veremos, da ciência, tecnologia, do avanço das forças produtivas,
do papel da escola e dos processos educativos no interior das relações sociais
capitalistas. Na mesma perspectiva, e pelas mesmas razões, parecem situar-se as
análises de Tumolo, no que concerne à questão do trabalho como principio educativo.
Nesse sentido, caberia explicar melhor alguns aspectos, para enfatizar o que
estou destacando das análises em discussão.
Uma primeira observação reside na defesa de Lessa da ortodoxia como
metodologia na análise imanente do texto de Marx para evitar o ecletismo. Mesmo
considerando o cuidado que Lessa tem de contrapô-la ao dogmatismo, o sentido
corrente de ortodoxia relaciona-se à doutrina e às posturas rígidas ou dogmáticas. Esse
sentido, na análise de Lessa, reforça-se pela recorrência do argumento de autoridade
como critério da maior veracidade da interpretação imanente. No mesmo plano
metodológico, talvez a perspectiva de Karel Kosik (1986) de monismo materialista para
20
distinguir as análises entre estrutura econômica (marxismo) e fator econômico
(sociologismo) seja mais adequada para contrapor-se ao pluralismo e ao ecletismo
metodológicos15.
Um segundo aspecto, na mesma ordem de questões, diz respeito às tensões
internas da compreensão imanente do trabalho e classe social e a questão da
historicidade. Sob as tensões internas, José Paulo Netto, ao caracterizar o sentido
ontológico de trabalho como constitutivo do ser social, observa que o ser social não se
reduz e esgota no trabalho, ainda que permaneça como objetivação fundante.
Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas objetivações transcendem
o espaço ligado diretamente ao trabalho. No ser social desenvolvido,
verificamos a existência de esferas de objetivação que se autonomizaram das
exigências imediatas do trabalho – a ciência, a filosofia, a arte etc. (...) O
trabalho, porém, não só permanece como objetivação fundante e necessária do
ser social – permanece ainda como o quase poderia chamar de modelo das
objetivações do ser social (Netto, 2006, p. 43).
Isto fica, a meu ver, ainda mais claro na abordagem de Kosik, tanto do ponto de
vista das tensões internas quanto da historicidade, no seu esforço para superar uma
visão semântica e antinômica entre o trabalho (mundo da necessidade) a as atividades
humanas como livre criação (mundo da liberdade). A possibilidade de dilatação da
liberdade do ser humano é indissociável da satisfação, no grau historicamente possível,
do mundo da necessidade.
Do mesmo modo, dentro de uma compreensão dialética, o que distingue trabalho
de outras atividades humanas não é algo eterno. É o processo histórico real que vai
definir como uma mesma ação humana pode ser considerada trabalho ou não trabalho.
O trabalho é um agir humano que se move na esfera da necessidade. O homem
trabalha enquanto seu agir é suscitado e determinado pela pressão da
necessidade exterior cuja consecução se chama necessidade natural ou social.
Uma atividade é ou não trabalho, dependendo de que seja ou não exercida
como uma necessidade natural, isto é, como um pressuposto necessário à
existência. Aristóteles não trabalhava. Um professor de filosofia e
interpretações metafísicas de Aristóteles são um emprego, isto é, uma
necessidade, socialmente condicionada, de procurar os meios materiais de
sustento e de existência (op. cit. p. 187, grifo meu)
15 “O monismo materialista que concebe a realidade como um complexo constituído e formado pela
estrutura econômica e, portanto, por um conjunto de relações sociais que os homens estabelecem na
produção e no relacionamento com os meios de produção pode constituir a base de uma coerente teoria
das classes e ser o critério para a distinção entre mutações estruturais – que mudam o caráter da ordem
social – e mudanças derivadas, secundárias, que modificam a ordem social, sem porém mudar
essencialmente seu caráter” (op.cit. p. 105).
21
Por isso, para ele a divisão do agir humano entre trabalho, esfera da necessidade
e esfera da liberdade
capta a problemática do trabalho e não trabalho apenas aproximadamente e
apenas sob certos aspectos. [...] Nessa distinção fica oculta uma ulterior
característica essencial da especificidade do trabalho como um agir humano que
não abandona a esfera da necessidade, mas ao mesmo tempo a supera e cria nela
os reais pressupostos de liberdade humana. [...] A relação entre necessidade e
liberdade é uma relação historicamente condicionada e historicamente variável
(idem, ibidem, p. 188, grifo meu).
Os aspectos anteriores conduzem-me, finalmente, a uma terceira ordem de
dificuldades dos pressupostos da análise imanente sobre trabalho, proletariado e classe
trabalhadora. A justificativa bastante exaustiva e eloqüente para eleger o Livro I de O
Capital como o ponto mais alto para uma leitura imanente da problemática do trabalho
e os corolários conseqüentes para definir o proletariado e trabalhadores certamente
sustenta-se como uma decisão que dá segurança metodológica e coerência de
argumento. Todavia, resta saber se essa delimitação, mesmo que amplamente
argumentada, não limita o alcance de sua análise e, por conseqüência, fragiliza as
críticas a pesquisadores que, sem desprezar a análise imanente, arriscam o terreno mais
complexo, mediado, contraditório da pesquisa histórica.
Com efeito, parece-me bastante contraditório eleger, por mais relevante, uma
parte da obra de Marx cujo pensamento, como assinala Lefbreve referindo-se a ele e a
Engels, “não foi apenas um pensamento em luta e em ação – criando-se no decorrer de
suas lutas –, mas um pensamento em movimento. (...) Um pensamento em movimento
não pode estudar-se nem compreender-se senão acompanhando o seu movimento”
(Lefebvre, 1981)16.
Esse movimento é evidenciado por Ruy Mauro Marini (2000), ao mostrar que o
conceito de trabalho produtivo, ainda que posto claramente no capítulo I de O Capital,
somente se equaciona no capítulo XVIII do livro III, ao serem estudados os operários
assalariados mercantis.
Do mesmo modo que o trabalho não retribuído ao operário cria diretamente
mais-valia para o capital produtivo, o trabalho não retribuído dos operários
assalariados comerciais cria para o capital comercial uma participação naquela
mais-valia (Marx, O Capital, cap. III, p. 287, apud Marini, 2000, p. 249).
16 Lefebvre busca demonstrar que as obras filosóficas de Marx ou de Marx e Engels se integram à ciência
histórica, à economia e à política. Por isso rejeita tanto a leitura de um jovem Marx (humanista) e de um
Marx maduro (cientista) quanto que as obras de juventude substituam o Marx da maturidade.
22
Para Marini, o mesmo vale para os demais operários da circulação naquelas
atividades indispensáveis para que esta tenha curso (banco, publicidade etc.) pelo que
conclui: “é possível sustentar que restringir a classe operária aos trabalhadores
assalariados que produzem a riqueza material, isto é, o valor de uso sobre o qual
repousa o conceito de valor corresponde a perder de vista o processo global de
reprodução capitalista” (idem, p. 250).
Por outro lado, Hobsbawm (o historiador vivo que talvez mais se tenha ocupado
da obra de Marx), numa entrevista sobre sua mais recente publicação, sobre os
Manuscritos econômicos 150 anos depois, destaca duas razões de seu impacto
internacional e de sua importância atual. Primeiro porque permitiu, no campo marxista,
no contexto do dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo
soviético, ampliar a análise com um texto que não podia ser considerado herético.
Segundo, porque trata de um conjunto de reflexões sobre assuntos importantes que não
foram considerados em O Capital ou desenvolvidos por Marx em nenhum outro lugar
(Hobsbawm, 2008).
Também seguindo a argumentação de Wolfgang Leo Maar, que ao comentar o
pensamento de Francisco de Oliveira realça o vigor que emerge da perspectiva de sua
análise que se concentra no âmbito da produção da sociedade, privilegiar o livro I de O
Capital para discutir trabalho, classe proletária e trabalhadores, traz o risco de fixar-se
no trabalhador coletivo, na perspectiva da acumulação e num estreitamento do espaço
da luta de classes e de seus sujeitos.
O trabalho é intrinsecamente social. Neste sentido, a sociedade pode ser vista
como um grande trabalhador coletivo que pode, na profundidade em que cabe
pensar na produção da sociedade, ser formulado em duas determinações
sociais. Um trabalhador coletivo pela perspectiva da acumulação e, neste
sentido, nós pensaríamos um trabalhador coletivo em que haja uma
universalização do trabalho abstrato tal qual a conhecemos hoje. Mas nós
precisamos pensar também no trabalhador coletivo numa outra determinação
social, que é a perspectiva do trabalho que produz a sociedade (Maar, 2006,
p. 44).
É justamente dentro dessa perspectiva que Francisco de Oliveira percebe que
atualmente a disputa pelo controle e manejo do fundo público constitui-se numa arena
da luta hegemônica, da luta de classes e, portanto, das formas sociais do futuro.
Por fim, nesta terceira ordem de questões, um ulterior aspecto me parece central
e, de certa forma, reporta ao conjunto de ponderações até aqui apresentadas. Se, por um
lado, as análises imanentes são necessárias e importantes, elas necessitam estar atentas
23
ao processo histórico real. Isso pela razão fundamental de que pelo menos os pensadores
marxistas que pensam com Marx para além de Marx aqui referidos enfatizam como
legado fundamental de Marx a concepção materialista de história e o método históricodialético
de apreensão da realidade.
Até onde percebo os autores que privilegiam a análise histórica, os argumentos
de Lessa para concluir que, em suas obras, Ricardo Antunes, Marilda V. Iamamoto e
Dermeval Saviani – cada um com suas particularidades e com sua relevância – dão O
adeus ao trabalho no Brasil são, no mínimo, lacunosos de mediações históricas. Ou,
talvez, dito de outra forma, ele comete o equívoco apontado por Thompson de passar de
uma perspectiva heurística da historiografia para avaliar pesquisas que buscam, no
plano histórico real, perquirir, num terreno menos seguro e cheio de dificuldades e
sujeito a equívocos de diferentes ordens, o imbricado, contraditório e complexo
desenvolvimento do processo de trabalho, do proletariado e das classes sociais e dos
processos educativos ao longo do século XX.
Não vou me ater aqui a maiores desdobramentos desse debate, apenas destacar
brevemente elementos para chegar a uma conclusão oposta à de Lessa sobre os três
autores criticados e as implicações para os aspectos mais diretamente imbricados com o
debate no âmbito educacional, tanto de Lessa quanto de Tumolo.
Tomo um primeiro elemento de um pequeno e clássico texto de Francisco de
Oliveira: O elo perdido; classe e identidade de classe, na introdução do qual fala do
método no estudo das classes. Para Oliveira,
[...] a opacidade da divisão e das relações entre as classes é de tal densidade que
o trabalho teórico de dar-lhes transparência caminha no sentido inverso do
movimento da história do capitalismo contemporâneo. [...] Isto é, torna-se mais
complexo e difícil re-conhecer, em fim, o perfil das classes sociais. [...] As
classes não se constituem em si e nem mesmo para si, mas para as outras
(Oliveira, 1987a, p.10-11).
Ao analisar os mundos do trabalho e a formação da classe operária, Hobsbawm
também demarca o caráter histórico e processual da constituição das classes:
A história operária é parte da história da sociedade, ou melhor, de certas
sociedades que possuem características em comum. Relações de classe,
qualquer que seja a natureza de classe, são relações entre classes ou camadas de
classes que não podem ser adequadamente descritas se analisadas isoladamente
ou apenas em termos de suas divisões ou estratificações internas. Isso implica
um modelo do que são as sociedades e de como funcionam (Hobsbawm, 1987,
p. 29).
24
Ao justificar o título – O fazer-se da classe operária – de um capítulo do livro
Mundos do Trabalho, adverte que não quer sugerir que as classes tenham início, meio e
fim, como a construção de uma casa. “As classes nunca estão prontas no sentido de
acabadas ou de terem adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar”
(Hobsbawm, 1987, p. 273).
Uma das mudanças profundas para a classe trabalhadora situa-se no fato de que
cada vez mais a ciência e a tecnologia se tornam forças produtivas do capital e se
voltam contra a classe trabalhadora. Marx, nos Grundrisse, já indicava claramente essa
tendência, mostrando que a criação da riqueza dependia cada vez menos do tempo e do
quantum de trabalho utilizado e mais do estado geral da ciência e de sua utilização na
produção, e que, sob o domínio do capital, isso se voltava contra o trabalhador e sua
classe.
A máquina, triunfo do ser humano sobre as forças naturais, converte-se, nas
mãos dos capitalistas, em instrumento de servidão de seres humanos a estas
mesmas forças [...]; a máquina, meio infalível para encurtar o trabalho
cotidiano, prolonga-o, nas mãos do capitalista [...]; a máquina, varinha de
condão para aumentar a riqueza do produtor, empobrece-o em mãos do
capitalista (Marx apud Paris, 2002, p. 235).
A magnitude do desemprego estrutural e da indigência do trabalho certamente é
mais evidente hoje que na época de Marx. Nos últimos vinte anos, foram profundas as
mudanças no mundo e no Brasil. Os profissionais empregados com carteira assinada e
os direitos advindos de um contrato de trabalho pelas lutas históricas da classe
trabalhadora são cada vez em menor número. Os maiores sindicatos de trabalhadores
assalariados não são mais dos metalúrgicos nem dos bancários, mas da área de serviços
como educação e saúde.17
Essa realidade faz com que a definição de quem é o proletário, quantos são os
proletários, onde estão e quem constitui o sujeito revolucionário hoje se torne mais
complexa e que, certamente, se essa fosse a realidade do tempo de Marx, ele a tomaria
como um problema a decifrar.
Por isso parece-me que o desafio é muito menos tentar classificar quem é ou não
é proletário na precisão semântica e imanente e mais na direção que nos aponta Carlos
17 Poder-se-ia afirmar com segurança que os metalúrgicos e bancários brasileiros, que, a partir da década
de 1970, pela magnitude e organização de seus sindicatos, produziram duas lideranças que
respectivamente se tornaram presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva) e governador do Rio
Grande do Sul (Olívio Dutra), não terão mais essa capacidade pelo simples fato de que robôs e máquinas
digitais ocuparam seus postos, ampliando o desemprego estrutural, o trabalho precário e “informal”.
25
Nelson Coutinho. Apoiado na herança, sobretudo de Marx e Gramsci, ele sinaliza que o
grande desafio para a classe trabalhadora é “construir uma intersubjetividade
revolucionária, ou seja, um conjunto de sujeitos que são plurais, mas que convergem e
se unificam na luta contra o capital” (Coutinho, 2002, p. 38, grifo meu). Vale dizer,
uma convergência na luta de classes.
Dentro do que expus até aqui, parece-me que a conclusão de Lessa, de que as
análises de Antunes, Iamamoto e Saviani dão adeus ao trabalho no Brasil, incorre em
dois equívocos. Primeiro os filia, de forma lógica mas não histórica, às abordagens de S.
Malett e André Gorz e M. Sabel a J. Lojkine e Adam Shaff. Isso porque – e ai está o
segundo equívoco – é exatamente ao contrário. No âmbito especifico das mudanças do
mundo do trabalho18, Antunes (1999), Iamamoto (2007) e Saviani (1994 -), na relação
com a educação, não dão adeus ao trabalho, mas estão empenhados em compreender o
processo histórico do trabalho e das classes sociais e buscam perceber como se
constitui, diferentemente dos séculos XVIII e XIX, o sujeito revolucionário. O sentido
semântico dos termos é importante, mas, como vimos, histórica e socialmente
construído. Nesse aspecto, ganha precedência a historicidade nos termos da tese II de
Feuerbach e do que explicitam sobretudo Williams e Thompson.
Outro aspecto da crítica de Lessa baseado na análise imanente do trabalho e do
proletariado como sujeito revolucionário refere-se a algumas publicações de Dermeval
Saviani (1994) e a um livro de Frigotto (1995) para caracterizar como ilusões o caráter
contraditório da ciência como força produtiva e do desenvolvimento do capitalismo e
das perspectivas da escola unitária, omnilateral e integral. A leitura que Lessa extrai é
de que estes educadores estariam passando a idéia de que do “próprio desenvolvimento
capitalista, passaríamos ao comunismo, à ‘sociedade regulada’ de Gramsci ou ao ‘reino
da liberdade’, famosa expressão de Marx” (Lessa, 2007, p. 121).
Como base desta afirmação, Lessa retira de Saviani um trecho em que analisa o
caráter contraditório dos processos produtivos sob nova base científica e tecnológica e
em que a idéia de escola unitária e da formação omnilateral
[...] estaria deixando o terreno da utopia e da mera aspiração ideológica, moral e
romântica para se converter numa exigência posta pelo próprio
18 Em diferentes passagens Lessa assinala a expressão mundos do trabalho – “esta sim quase misteriosa”
(Lessa, 2007, p. 9) como a evidência de imprecisão semântica do trabalho. Preocupação que tem validade
se o contexto da análise do trabalho estiver no campo do imanente e do heurístico, mas não é pertinente se
se está tentando entender como o trabalho se apresenta num determinado contexto e desenvolvimento
histórico. O historiador marxista Hobsbawm (1987), não por acaso, intitulou uma obra clássica sua
Mundos do trabalho.
26
desenvolvimento do processo produtivo. Indícios desta tendência estão
aparecendo cada vez mais fortemente [...] inclusive entre os empresários, de que
o que importa, de fato, é uma formação geral sólida, a capacidade de manejar
conceitos, o desenvolvimento do pensamento abstrato (Saviani, 1999, p. 164-
165, apud Lessa, 2007, p. 120-121, grifo meu)19.
E, ao assinalar que Saviani não esteve sozinho ao alimentar tais ilusões acerca
do capitalismo contemporâneo, remete a uma nota na qual afirma: “Frigotto, por
exemplo, enxerga na transformação em curso uma positividade que pode ser
politicamente capturada com as forças comprometidas com a efetiva emancipação
humana” (Frigotto, 1995, p. 7, apud Lessa, 2007, p. 121).20
E, para mostrar a ilusão sobre a busca e a luta concreta para construir espaços
educacionais na perspectiva da escola unitária, remete a Francisca Maurilene do Carmo.
Entre alguns educadores perdeu-se de vista que é “impossível, na lógica deste
sistema, a realização de uma educação geral e politécnica, configurando desta
forma como utopias educacionais as propostas que anuncia dentro do capital
como capazes de formar o indivíduo omnilateral (Carmo, 2003, p. 121).
Como corolário de suas críticas às ilusões de Saviani, conclui que:
O fato de alguns dos mais significativos pedagogos de esquerda terem aderido a
essas teses tornou aos educadores mais complicada e difícil a percepção da
essência da transformação em curso: a passagem de um patamar mais elevado
de extração de mais-valia, uma intensificação dos processos alienantes oriundos
do capital (Lessa, 2007, p. 121).
Da leitura que faço das obras de Saviani e naquilo que exponho no livro citado,
não encontro a possibilidade de uma visão linear da ciência e tecnologia e do avanço
das forças produtivas pela qual se estaria indicando a passagem mecânica do
desenvolvimento capitalista para, na afirmação de Lessa, o comunismo, a sociedade
regulada de Gramsci ou o reino da liberdade, famosa expressão de Marx. Por outro
lado, também não consigo ver de onde deduz de que na obra de Saviani e das análises
que faço não esteja explícita a compreensão de que se exacerba no capitalismo atual a
superexploração com a intensificação da mais-valia relativa e, para os que são
19 Lessa não inclui nas referências bibliográficas esta obra de 1999. Todavia, o trecho se refere à obra
mencionada anteriormente (Lessa, 2007, p. 90), que é de Saviani (1994).
20 Coincidentemente, não se encontra na página 7 do livro referido ( Educação e crise do capitalismo
real, Frigotto, 1995) o pedaço de frase pinçado e citado; ali começa o sumário do livro, em boa parte do
qual, como veremos a seguir, é tratado o caráter contraditório e os limites da ciência e do sistema
capitalista. Também trata das teses do fim da sociedade do trabalho e da não-centralidade do trabalho em
Claus Off, Adman Schaf e Robert Kurtz.
27
empregados, a ampliação da mais-valia absoluta e, portanto dos processos mais
violentos alienantes do sistema capital.
Do mesmo modo, não poderia deduzir que está se afirmando que dentro do
sistema capitalista é possível desenvolver, nas condições próprias de uma sociedade
sem classes, cuja travessia supõe o socialismo, uma educação unitária, integral,
omnilateral, politécnica ou tecnológica. O que percebo na obra de Saviani é o que está
claro na citação analisada, dentro da compreensão de que não só o capitalismo é uma
contradição em processo e, como insistia Marx, cada vez mais profunda e insanável,
como também existe antagonismo e luta contra-hegemônica. Ao dizer “indícios desta
tendência”, no que alcanço ler, ele não está afirmando nem que mecanicamente as
mudanças científicas e técnicas na base produtiva levem ao comunismo e ao reino da
liberdade nem que dentro do sistema capitalista a escola unitária e omnilateral sejam
possíveis. Apenas está apreendendo uma contradição e, com isso, a possibilidade de
disputar no conteúdo, no método e na forma a direção política na luta pela superação do
capitalismo.
A obra citada, Educação e crise do capitalismo real, foi produzida num contexto
de pós-derrota (mas não fracasso) do socialismo realmente existente (Hobsbawm), da
tese do fim da história de Fukuyama e de um crescente pessimismo da esquerda, dando
a impressão de que o capitalismo tem eternamente a chave para superar suas crises e a
ciência burguesa, as soluções eternas.
Isso redundaria na aceitação tácita da tese de Fukuyama de que estaria provado
que o capitalismo é a sociedade de tipo natural e, portanto, uma ilusão lutar por sua
superação. Busquei, com base em Marx e pensadores marxistas que produziram o
pensamento social crítico brasileiro, vários deles já referidos, trabalhar o
aprofundamento das contradições cada vez mais “profundas e insanáveis” do modo de
pensar burguês e da sociedade capitalista.
No plano das idéias, é só seguirmos o caminho percorrido ao longo de quatro
décadas por Frederic Hayek, pai do neoliberalismo, para ver que sua condição de
intelectual da classe capitalista não lhe permitiu jamais, dentro da concepção da
economia clássica e neoclássica, entender o conflito insolúvel entre indivíduo e
sociedade nas relações sociais capitalistas21. E isso, não fundamentalmente, por uma
premeditação maquiavélica. É algo mais radical, como mostra Marx. “São os limites de
21 Ver a esse respeito a análise de Paulani (2005).
28
uma época – de uma classe –, mais que um ‘egoísmo’ deliberado ou uma ‘mentira de
classe’ que explicam os limites das idéias...” (Marx, Carta a Weidemever, 1852). Por
essa razão, assinala Marx: “Presos às representações capitalistas [os economistas
burgueses] vêem como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se produz
a própria relação” (Marx, apud Frigotto, 2006, p. 35)\.
Por isso, dialogando com Francisco de Oliveira, especialmente com a Crítica da
razão dualista (Oliveira, 1987b) e a tese do surgimento do antivalor (Oliveira, 1988), o
livro busca pensar o tempo presente22. Tratava-se não só de ver as contradições, mas
também de entender como dentro delas pode se dar a luta contra-hegemônica. A disputa
das concepções, teorias e práticas educativas e de ciência e tecnologia situam-se nesse
terreno.
O que Lessa não explica é a questão relativa ao processo de superação do modo
de produção capitalista. A ultrapassagem do capitalismo implica enfrentar, no plano da
práxis, o pântano contraditório da dialética do velho e de novo. Como ensina Gramsci,
velho que não quer morrer e novo que necessita nascer. Ou se começa a luta pela utopia
do socialismo e da educação omnilateral, unitária e politécnica no embate contraditório
da realidade rebelde historicamente existente ou teremos, como assinala Jameson, que
esperar deterioração total da terra e da natureza; ou remeter a um imaginário futuro, na
análise de Kosik (1969), a superação do sistema capitalista.
22 Para Roberto Schwarz, em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando
posições e argumentos contrários à voz corrente da esquerda (Schwarz, Prefácio, apud Oliveira (2003, p.
22). Na ampliação do texto de 1988 sobre o anti-valor (Oliveira, 1998), evidencia hoje, mais uma vez que
acertou numa tese que lhe rendeu muitas críticas. Há dez anos afirmava: “O processo invisível por
excelência é o capital fictício, que viaja em tempo real-digital – de um para outro lugar do mundo: e viaja
em moléculas, que é o próprio dinheiro, não necessitando fixar-se em unidades físicas. Mesmo quando se
fixa em unidades industriais, o que preside a ordem desta fixação é o caráter fictício do capital dinheiro,
ao contrário da sociedade do conflito, em que o capital-dinheiro só existe depois de construir a força de
trabalho vivo. A sociedade da ordem jurídico-política é fundada na propriedade tangível, enquanto na
sociedade molecular-digital a regra é o intangível, o invisível (...). Na ordem jurídico-política em
destruição, uma ordem de proprietários, de sujeitos, constituem-se fóruns em que as partes do contrato
podem cobrar-se, mutuamente, pelos prejuízos ou agravos produzidos por um autor que se pode conhecer.
Na ordem-desordem molecular-digital, tal procedimento é impensável”. O episódio da falência do
Barings Bank da Inglaterra, motivada por um jovem especulador da Malásia, é emblemático nesse
sentido. “Detonou um processo que liquidou uma duplamente centenária instituição bancária.
Evidentemente, mesmo que se estabeleça a ação desse operador como sendo o momento inicial do Big
Bang, sua punição individual não repara uma perda em bilhões de dólares” (Oliveira, 1998, p. 8-9).
Agora, a cada dia que passa fica evidente que não se trata de um banco, mas de uma crise que desnuda o
sistema imundo da jogatina do capital fictício. O cinismo mistura salvação pelo fundo público e zombaria
e ironia com os que pagam a conta. Um exemplo dessa zombaria foi a “indecência de diretores do grupo
financeiro belga Fortis que fizeram um banquete para comemorar a salvação do grupo pelo fundo público
num jantar para 50 corretores ao preço módico de US$ 200 por pessoa (Jornal Valor Econômico, 13 de
outubro de 2008).
29
Sem dúvida, a análise de Lessa explicita o fetiche do determinismo da ciência,
da técnica e da tecnologia e dos processos educativos sob o sistema do capital tomados
como forças autônomas das relações sociais de produção, de poder e de classe. A forma
mais apologética desse fetiche aparece atualmente sob as noções de sociedade pósindustrial
e sociedade do conhecimento, que expressam a tese de que a ciência, a
técnica e as novas tecnologias nos conduziram ao fim do proletariado e à emergência do
cognitariado e, conseqüentemente, à superação da sociedade de classes sem acabar com
o sistema do capital.
Todavia, o fato de não perceber nenhuma positividade da ciência e tecnologia no
avanço das forças produtivas e da possibilidade de disputa das concepções, teorias e
práticas educativas na perspectiva de uma educação omnilateral e politécnica no interior
do sistema capitalista decorre do fato de não considerar, como analisa Jameson, que a
contradição, diferente da antinomia, como explicita a citação, tem que ver com forças,
contexto ou com o estado das coisas.23 Isso, para esse autor, conduz mais a uma
dedução lógica que histórica e à falta de imaginação.
Mesmo depois do “fim da história”, ainda parece persistir uma certa curiosidade
histórica em geral mais sistêmica do que meramente anedótica: não saber
somente o que vai acontecer depois, mas também uma ansiedade mais geral
sobre a sorte ou o destino do nosso próprio sistema ou modo de produção (...).
Parece que hoje é mais fácil imaginar a deterioração total da terra e da natureza
do que o colapso do capitalismo tardio; e talvez isso possa ser atribuído à
debilidade de nossa imaginação. (Jameson, 1997, p. 10-11)
A interpretação dessa falta de imaginação para Jameson resulta de uma
dominância de nosso tempo das análises antinômicas, campo mais seguro da linguagem
23 Das análises de Marx, sobre este aspecto, fica explicito, por um lado, a contradição entre a
capacidade exponencial da classe detentora do capital desenvolver as forças produtivas e a sua
incapacidade de socializar o resultado do trabalho. Por outro lado, também está mais que explícito em
Marx que a ultrapassagem desse sistema não se dará pela perspectiva do quanto pior melhor, mas do
aguçamento daquela contradição e da existência da consciência, de uma vontade coletiva ou de uma força
intersubjetiva revolucionária que entenda que é imprescindível a ruptura e que existe correlação de
forças para tal.. Gramsci, em Maquiavel, Política e Estado, dá os diferentes níveis de correlações de força
e as exigências para que uma tarefa revolucionária se torne viável. Dentro dessa compreensão, e Gramsci
(1976) entendeu isso já na década de 1930, nas condições nas quais se deu a Revolução Russa
dificilmente ela poderia manter-se sem que houvesse um movimento de ruptura mais amplo nos centros
mais desenvolvidos do sistema capitalista. Nessa direção de análise, pode-se afirmar que, do ponto de
vista das condições objetivas – avanço científico e tecnológico – há muitíssimo mais condições de
construção da sociedade socialista hoje do que em 1917. O que falta são as condições subjetivas ou a
força intersubjetiva revolucionária. A nova sociedade não começaria da pedra lascada, mas se
apropriando e redefinindo os rumos da ciência e da tecnologia. De mutiladora dos direitos fundamentais
do ser humano e de destruição das bases da vida em extensão de membros e sentidos humanos dilatando
um efetivo tempo livre e de liberdade.
30
que nos permite saber onde se está pisando. No campo da contradição, por lidar com a
historicidade, tal segurança desaparece.
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que
efetivamente são radical e absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar.
Enquanto a contradição é uma questão de parcialidades e aspectos; apenas uma
parte dela é incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade ela
pode ter mais a ver com forças, ou com o estado das coisas do que com palavras
e implicações lógicas [...]. Enquanto a antinomia é, clara e inequivocamente
duas coisas separadas: y ou x, e isso de forma tal que faz a questão da situação
ou do contexto desaparecer por completo. Nossa época é bem mais propícia ao
terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no próprio marxismo, terra
natal desta última, tendências mais avançadas reclamam da questão da
contradição e se aborrecem com ela, como se ela fosse um remanescente do
idealismo, capaz de reinfestar o sistema de forma fatalmente antiquada (como
os miasmas ou a febre cerebral. (idem,ibidem, p. 17-18)
Por isso, parece-me que as afirmações sobre as ilusões de Saviani e dos
pedagogos de esquerda, com todas as imprecisões que possam ter de ordem semântica e
de análise histórica sobre o trabalho, proletariado, trabalhadores e classe social, é uma
expressão mais retórica e de caráter pejorativo, cujo efeito pode ser contrário ao que
Lessa certamente quer: reforçar: as teses da desecolarização da sociedade, do
pragmatismo e economicismo, as perspectivas do laissez-faire, ampliadas hoje pelas
teses do pós-modernismo e o desmantelamento do que define a profissão docente pelas
políticas neoliberais. 24
Por outro lado, se sairmos do campo da antinomia, ciência e tecnologia ou pura
negatividade ou pura positividade e lidarmos com o plano das contradições no seio do
capitalismo realmente existente e, portanto, com situações concretas e forças em
disputa, não me parece que se trate de uma ilusão a possibilidade de os educadores
disputarem, dentro da perspectiva da escola unitária e educação omnilateral, as novas
bases de conhecimento demandados pelo processo produtivo.
O fato de a fração brasileira da burguesia internacional e seus intelectuais terem
recentemente cunhado a expressão apagão educacional para reclamar que há falta de
trabalhadores qualificados para os setores que necessitam que eles dominem bases de
conhecimentos para o trabalho complexo indica, ao mesmo tempo, o limite de idéias
24 Dermeval Saviani, tendo presente o esvaziamento da função de organização, sistematização e produção
do conhecimento dos docentes (em todos os níveis de ensino, mas especialmente na educação básica)
numa recente entrevista, reclama: “Ao professor deve ser devolvida a sua função: ensinar” (Revista
Rubra, n. 3, Lisboa, out. 2008). Reitera aquilo que expõe no pequeno livro Escola e democracia (Saviani,
1986) com 40 edições, sobre especificidade da função política da escola e da educação escolar, que se dá
pela mediação das concepções, metodo dialético-histórico na apreensão dos conteúdos e dos fundamentos
científicos, na expressão de Gramsci, da sociedade dos homens e das coisas. Idéias cuja base pode ser
31
dessa burguesia, já que ela é a maior responsável por essa situação, e uma real
necessidade de elevar o patamar de escolaridade, certamente não para todos25. Com
isso, não se está sugerindo que se esteja “no mundo da liberdade” nem que estamos na
porta da sociedade socialista. O que se está dizendo que há contradições e que, numa
perspectiva de luta de classe, na superação do sistema capitalista, esta é uma questão da
práxis. “A escola, como o movimento operário, implica um equívoco: só conseguirá
interpretar plenamente seu papel numa sociedade renovada e, ao mesmo tempo,
compete-lhe, dia após dia, desempenhar um papel.” (Snyders, 1981, p. 392)26
Finalmente, uma breve análise do texto de Paulo Sérgio Tumolo – O significado
do trabalho no capitalismo e o trabalho como principio educativo: ensaio de análise
crítica (Tumolo, 2003), que, mediante uma leitura imanente de parte de O Capital de
Marx sobre trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo, conclui que sob
o capitalismo o trabalho não pode ser considerado princípio educativo. Situo o conteúdo
básico do texto nos termos apresentados pelo próprio autor.
O texto tem como finalidade analisar criticamente a concepção do trabalho
como princípio educativo, que tem sido utilizada para fundamentar propostas de
educação dos mais importantes movimentos sociais brasileiros, tais como o
MST e a CUT. À luz da contribuição teórica oferecida por Marx, sobretudo em
O Capital, discute o significado das três categorias fundantes de trabalho -
trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo (Tumolo, 2003, p. 1).
Tumolo justifica que, dado o número de educadores que se ocupam do tema,
seleciona apenas um trecho de um deles (Saviani, 1986ª) , afirmando que o mesmo
sintetiza a concepção presente no conjunto de seus estudiosos e serve de base, em
grande medida, para as propostas educativas dos referidos movimentos sociais (grifos
meus). Numa nota, a título de exemplo, nomeia treze educadores e 23 obras dos
mesmos, inclusive quatro de Dermeval Saviani. O trecho citado refere-se a uma
buscada em Marx, nas Instruções aos Delegados do I Congresso da Associação Internacional dos
Trabalhadores e na Crítica ao Programa de Ghota e O Capital.
25 Uma análise atual e importante sobre demanda e trabalho complexo no Brasil é efetivada por Lúcia
Maria Vanderlei Neves e Marcela Alejandra Pronko (2008). Em pesquisa que concluí recentemente
(Frigotto, 2008), no último capítulo discuto a relação quantidade e qualidade na educação tecnológica de
ensino médio e evidencio o espaço contraditório no qual se dão disputas no campo da educação e uma
análise do apagão educacional.
26 Lênin, como um dos mais importantes teóricos do marxismo do século XX e líder revolucionário, tinha
clareza sobre o papel contraditório da escola burguesa. Ao se dirigir aos jovens, após a Revolução de
1917, criticou a tendência de se ver tudo que se fez na velha escola como inútil e argumentava que a
teoria revolucionária, contraditoriamente, também resultou dela. “O marxismo é um exemplo de como o
comunismo resultou da soma de conhecimentos adquiridos pela humanidade” (Lênin, apud Frigotto,
2006, p. 190).
32
entrevista de Saviani publicada pela revista Bimestre, do MEC/INEP/Cenafor, uma das
quatro referências.
Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do
trabalho, pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se
caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria existência, a
partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a
realidade, transformando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas.
A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo
de produção da existência humana, o processo de trabalho. (Saviani, 1986a, p.
14, apud Tumolo, 2003, p. 2)
Com base no pressuposto de que esse fragmento da entrevista de Saviani
representa sua obra sobre o tema e mais as 23 obras referidas, apenas como exemplo, de
treze pesquisadores e que a concepção do trabalho como princípio educativo trata
apenas de um lema, que carece de precisão e consistência teóricas, faz uma discussão
sobre as categorias enunciadas de acordo com Marx para ao final explicitar sua
conclusão.
Dado o conjunto de razões expostas, o trabalho não pode ser considerado como
princípio educativo de uma estratégia político-educativa que tenha como
horizonte a transformação revolucionária da ordem do capital. O trabalho só
poderia ser concebido como princípio balizador de uma proposta de educação
que tenha uma perspectiva de emancipação humana numa sociedade baseada na
propriedade social, vale dizer, na não-propriedade dos meios de produção, que,
dessa forma, teria superado a divisão e a luta de classes e, por conseguinte,
qualquer forma de exploração social, bem como o trabalho produtivo de capital
e o trabalho abstrato, porque teriam sido eliminados o capital e o mercado.
(Tumolo, 2003, p. 10)
Tiradas as premissas sobre trabalho como principio educativo e a forma de
encaminhá-las e sua conclusão, o texto expressa uma interpretação das categorias
trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo em Marx. Trata-se de uma
análise que também se pauta pela visão imanente e heurística do texto de Marx que tem
sua pertinência, como reiterei ao longo deste texto. Mas a forma de articular essa
interpretação de Marx com o que apresenta sobre trabalho como principio educativo
expressa, além de um raciocínio silogístico, equívocos de conteúdo, método e de forma.
Mesmo que o autor assuma tratar-se de um texto introdutório, não pode cometer
a impropriedade de pinçar uma citação de uma entrevista numa revista, sendo que na
bibliografia cita mais três obras de Saviani, nem partir da suposição de que os demais
doze autores e suas 19 obras referidas estejam contemplados em tal citação. O mais
estranho e paradoxal é que a citação não trata diretamente do trabalho como princípio
33
educativo, mas da relação da estruturação do sistema educacional e o trabalho como
produção da existência humana. Do mesmo modo, a maior parte das obras referidas não
trata do trabalho como principio educativo.
Também afirmar, particularmente em relação ao MST, que a concepção do
trabalho como princípio educativo é tomada apenas como um lema que carece de
precisão e consistência teóricas, sem considerar e debater minimamente a produção
sobre educação feita por intelectuais do MST como Roseli Caldart (2000) e o diálogo e
a produção de educadores como a que fazem com Miguel Arroyo, um dos treze
pesquisadores referidos, é uma generalidade e uma impropriedade. Um exame mais
cuidadoso do debate teórico e da proposta pedagógica do MST, por ser um movimento
que coloca a educação como mediação da luta de classes, revela que aí se efetiva um
esforço sistemático de compreender tanto o trabalho como principio educativo quanto
algo distinto como indico a seguir, como principio pedagógico, aqui se valendo das
contribuições de Pistrak e Paulo Freire, entre outros educadores27.
Todavia, é no plano da vida concreta no acampamento e na escola que se pode
observar o esforço de superar as marcas de uma personalidade bizarra com resquícios
do homem da caverna (Gramsci, 1978, p. 12) conformados na condição de colonos que
os adultos e crianças se exercitam no trabalho como principio educativo. Assim, quando
as crianças participam de pequenas tarefas do dia-a-dia e têm seu tempo lúdico e de
escola garantidos, nada tem a ver com exploração do trabalho infantil. Explorados, não
por vontade dos pais mas por condição de vida, eram na condição de colonos ou quando
trabalhavam como meeiros ou assalariados28.
A exposição de Tumolo, nesse texto, é um exemplo da discussão antinômica,
posto por Jameson, e das implicações da passagem de um estudo imanente e heurístico
para uma análise histórico-concreta. Nos termos do autor:
O trabalho só poderia ser concebido como princípio balizador de uma proposta
de educação que tenha uma perspectiva de emancipação humana numa
sociedade baseada na propriedade social, vale dizer, na não-propriedade dos
meios de produção (Tumolo, 2003, p.10)
27 Não se está dizendo que o MST não tenha conflitos e contradições internas e imensos limites nas suas
lutas, impostos pela classe dominante brasileira e pelas condições em que os seus militantes produzem
sua existência. Este é um tema sobre o qual são doutores, e nos ensinam muito. Também não se está
dizendo que esses conceitos estão resolvidos na teoria e na prática.
28 Outra, ainda que possa ter dimensões positivas, é a visão da Organização Internacional do Trabalho
quando, por pressão da concorrência intercapitalista, produz leis contra o trabalho infantil. Soa uma lei
34
Dada a premissa, o autor passa a analisar em Marx as categorias de trabalho
concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo e de forma correta demonstra que sob o
capital o trabalho avilta, degrada, aliena cada vez mais o trabalhador. E conclui que, em
sendo isso, o trabalho não pode ser tomado como princípio educativo.
Do ponto de vista da lógica, a argumentação interna é de um silogismo sem contradição
em seus termos. A questão é outra. A premissa é que tem de ser discutida. Posto o
trabalho humano no plano histórico em que negatividade e positividade coexistem e se
definem no campo de luta de forças, a leitura que podemos fazer dessa questão em Marx
e Gramsci me parece outra.
Da leitura que faço do trabalho como princípio educativo em Marx, ele não está
ligado diretamente a método pedagógico nem à escola, mas a um processo de
socialização e de internalização de caráter e personalidade solidários, fundamental no
processo de superação do sistema do capital e da ideologia das sociedades de classe que
cindem o gênero humano. Não se trata de uma solidariedade psicologizante ou
moralizante. Ao contrário, ela se fundamenta no fato de que todo ser humano, como ser
da natureza, tem o imperativo de, pelo trabalho, buscar os meios de sua reprodução –
primeiramente biológica, e na base desse imperativo da necessidade criar e dilatar o
mundo efetivamente livre. Socializar ou educar-se de que o trabalho que produz valores
de uso é tarefa de todos, é uma perspectiva constituinte da sociedade sem classes.
Por ser o trabalho (mediação de primeira ordem) o que possibilita que o ser
humano produza-se e reproduza-se, e por isso, na metáfora de Marx, antediluviano, e
não o trabalho escravo, servil e o trabalho alienado sob o capital (mediações de segunda
ordem), a internalização, desde a infância, do princípio do trabalho produtor de valores
de uso é fundamental. É dentro desse contexto que entendo a expressão “mamíferos de
luxo”, de Gramsci, para significar formação e socialização que aliena a possibilidade de
perceber que tudo que é produzido para o ser humano produzir a si mesmo como ser da
natureza vem do trabalho29.
cínica, quando não oferece às crianças e aos jovens que trabalham precocemente uma alternativa de
produção digna de sua existência.
29 Por isso que também as teses de que o movimento social, a greve, as lutas são educativos – e o são –,
mas não fazem como “princípio educativo” da mesma natureza do trabalho produtor de valores de uso.
Aqui reside a necessária distinção entre trabalho e práxis, já que o trabalho não esgota a construção do ser
social, mas ele é também fundamento da práxis. As greves, as lutas dos movimentos sociais tendem
desaparecer numa sociedade cujo fim é a emancipação humana. O trabalho produtor de valores de uso
continuará sendo uma necessidade antediluviana para todos os seres humanos pelo simples fato de que
esse ser da natureza e com necessidades de elementos da natureza ou de produtos desenvolvidos pela
criação humana continuará existindo. Manacorda mostra uma ênfase específica de Gramsci, com base em
Marx, ao colocar “o conceito e o fato” do trabalho como “principio imanente da escola elementar”. Marx,
35
É dessa perspectiva que Marx entende, na minha leitura, a união de trabalho e
ensino desde a infância e, ao mesmo tempo, a luta contra a exploração do trabalho
infantil. A conclusão de Tumolo sobre a impossibilidade de considerar o trabalho como
princípio educativo sob o capitalismo decorre não só por não trabalhar neste texto o
caráter contraditório das relações sociais, mas de uma inversão histórica: o capital se
torna a categoria antediluviana. Tomado o trabalho como processo que cria e recria o
ser humano, ele não é redutível às formas históricas, sob as sociedades de classe que
cindem o gênero humano, ao trabalho escravo, servil e capitalista. Por isso, até mesmo o
trabalho escravo não é pura negatividade. Este parece ser um dos sentidos da dialética
do senhor e do escravo. Do mesmo modo, não é estranho em Marx reconhecer o caráter
civilizatório da revolução burguesa, no plano do pensamento e no plano das relações de
produção.
Na introdução da Crítica da filosofia do Direito em Hegel, Marx (2006) reconhece que
a burguesia acertou contas com as concepções metafísicas e que agora a tarefa é o
acerto de contas mediante a crítica ao Direito, à política etc., da visão de mundo e de
conhecimento. Do mesmo modo, no Manifesto Comunista Marx e Engels explicitam o
caráter revolucionário da burguesia.
Historicamente, a burguesia desempenhou um papel revolucionário. Onde quer
que tenha sumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais,
patriarcais e idílicas. Destruiu impiedosamente os vários laços feudais que
ligavam o homem aos seus “superiores naturais”, deixando como única forma a
relação de homem a homem laço do frio interesse, o insensível “pagamento à
vista” (Marx e Engels apud Laski, 1982, p. 96).
Explicitam ao mesmo tempo, no plano das contradições históricas, a
positividade e negatividade desse processo. A positividade, pela destruição de velhas
relações feudais e trabalho escravo; a negatividade da burguesia ao não abolir as classes
e constituir-se na classe do frio interesse.
Na recente conferência sobre o sentido e a atualidade do Manifesto Comunista,
Francisco de Oliveira sublinhou que a encomenda da Liga dos Justos era um manifesto
contra as injustiças. Marx e Engels fazem um manifesto que explicita que a propriedade
privada dos meios e instrumentos de produção é a fonte de todas as injustiças e que,
portanto, a luta é para suprimir a propriedade privada e a sociedade de classes. Por outro
salienta Manacorda, refere-se sobretudo à concepção de trabalho como uma relação imediatamente
instituída entre a sociedade e a natureza para transformar a natureza e socializá-la, uma concepção que
sintetiza todos os termos marxianos da história da indústria como relação entre homem e natureza e como
processo de humanização da natureza (Manacorda, 1991, p. 136).
36
lado, destaca Oliveira, o Manifesto não indica que a direção da história seja rodar a
roda para trás ou, do autor em outras análises, a tese do quanto pior melhor. Por isso,
ao ser instado a avaliar o caráter alienante da Rede Globo, reconhecendo e criticando
seu poder alienador, adverte que o problema não é a sua destruição, mas como se
apropriar desse potencial noutra direção. Num plano mais geral, essa é a mesma
conclusão de Hobsbawm (2008) quando afirma que o problema não é a globalização ou
a internacionalização, mas esta forma de internacionalização. A tese do
internacionalismo, destaca, é uma tese cara a Marx.
A título de conclusão
Pela natureza e finalidade deste texto, não cabe propriamente uma conclusão. O
que trago é a demarcação de alguns aspectos dele que, julgo, possam facilitar o debate.
Creio que seu sentido maior é sintetizado pelo que nos interpela Williams sobre
a tarefa da crítica militante na luta pela hegemonia cultural, que é aprender e ensinar
uns aos outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez,
mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que são os
nossos recursos em qualquer forma de luta.
E por tratar-se de um espaço formativo de uma associação científica com a
presença dominante de jovens pesquisadores, professores, lideranças sociais, outro
aspecto central emana da observação de Engels: o risco de deduções que encerram o
assunto a partir do termo materialista. Toda a história precisa ser reestudada, as
condições de existência das diversas formações sociais precisam ser examinadas em
detalhe antes de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas,
estéticas, filosóficas, religiosas.
Do primeiro eixo do texto, explicita-se que a polissemia do trabalho resulta de
um complexo processo que se desenvolve historicamente nas relações sociais e se
vincula à produção material e na cultura, mediante valores, símbolos, tradições e
costumes. O sentido que vai assumir, tanto na linguagem do senso comum quanto nos
âmbitos das ciências, na sociedade de classes, resulta de relações de poder e dominação.
O percurso feito, sobretudo com Williams, sobre trabalho, emprego e classe
social dá conta primeiramente do processo da constituição do seu significado e sentidos
no plano social e cultural e, ao mesmo tempo, de que os três vocábulos passam a ter um
vínculo inseparável no processo de definição do modo de produção capitalista. Marx e
37
Engels vivem esse contexto e se esmeram, particularmente Marx, em desmascarar os
sentidos da ciência burguesa e em lhes dar rigor e concepção históricos. Nem Marx nem
Engels ficaram imunes às ambigüidades, como se destacou. Não só por isso, mas
também por isso, o permanente debate no campo marxista.
O debate em relação ao tema das classes sociais, da classe proletária e o próprio
sentido de classe como estrutura, categoria ou como processo e formação histórica
trazidos neste texto é emblemático. Penso que ajuda muito a nos situarmos neste debate
as distinções que faz Raymond Williams à abordagem da classe como categoria ou
como formação; num mesmo sentido, Edward P. Thompson distingue na historiografia
uma abordagem de classe como categoria heurística ou analítica e como conteúdo
histórico. Para Thompson, a classe só pode ser considerada uma categoria no sentido
heurístico. No sentido histórico, classe é uma relação de forças. Classe e consciência de
classe são sempre o último – e não o primeiro – degrau de um processo histórico real.
Encontramos a mesma compreensão em autores que tratam a classe em seu
sentido histórico real. Para Williams, consciência de classe e luta de classe dizem
respeito a formações históricas concretas. Hobsbawm fala do fazer-se classe e que elas
nunca estão prontas. Oliveira, que as classes não se constituem em si e nem mesmo para
si, mas para as outras.
O segundo eixo do texto tem como centro o sentido do trabalho e das classes na
sua relação com o campo educativo. Ele se põe como uma exigência da área na medida
em que as abordagens de Lessa e Tumolo discutidas aqui, com abrangências e graus de
aprofundamento distintos, interpelam o campo educativo e, sobretudo, a produção
oriunda do GT Trabalho e Educação da ANPEd. Para Lessa, a confusão semântica em
relação a trabalho, classe proletária, sujeito revolucionário conduz os mais destacados
pedagogos de esquerda a ilusões em relação a ciência, tecnologia e educação integral e
omnilateral. Para Tumolo, o não-entendimento do trabalho concreto, abstrato e
produtivo em Marx no sistema do capital conduz educadores e movimentos sociais a
entender o trabalho como princípio educativo – um lema sem consistência teórica.
O que se buscou evidenciar é que Lessa e Tumolo fazem suas análises dentro da
perspectiva imanente e heurística dos textos de Marx, tomando sobretudo o Livro I de O
Capital. Uma abordagem não só sustentável como importante na compreensão dos
fundamentos do pensamento de Marx e de outros pensadores clássicos. Trata-se de
abordagem tão importante quanto a abordagem que analisa as formações históricas.
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Como adverte Thompson, confusões geralmente surgem quando nos deslocamos de
uma acepção para outra.
Nos textos de Lessa e Tumolo aqui analisados, o que busquei evidenciar é que
esse deslocamento se efetivou. Dar um tratamento imanente e heurístico a trabalhos de
natureza histórica os conduziu a não tratar a contradição no sentido da materialidade do
processo histórico em que negatividade e positividade são indissociáveis.
Disso decorre, na minha compreensão, a dificuldade de Lessa perceber que
Antunes, Iamamoto e Saviani, com recortes diversos, estão empenhados em entender o
trabalho no processo histórico e, como tal, situam suas análises no sentido oposto das
abordagens do adeus ao trabalho. Do mesmo modo, entende-se sua dificuldade de ver a
possibilidade de positividade da ciência, da técnica e avanços das forças produtivas
dentro do sistema capitalista ou ter uma perspectiva de educação escolar omnilateral ou
politécnica.
No mesmo sentido e de forma mais intensa, Tumolo efetiva esse deslocamento e
é conduzido à percepção de que é impossível pensar o trabalho como princípio
educativo sob o capitalismo. Neste, o trabalho se efetiva de forma puramente negativa.
Paradoxalmente, na forma com que conduz a análise, acaba dando ao capital o caráter
antediluviano.
Do que foi exposto, para concluir, parece-me importante, na linha apontada por
Florestan Fernandes, de que o intelectual não cria o mundo em que vive, mas faz muito
quando consegue ajudar a compreendê-lo para transformá-lo, assinalar dois riscos
possíveis do deslocamento das análises imanentes e heurísticas para análises históricas
como as que acabamos de discutir.
O primeiro é de conduzir a um imobilismo e a um beco sem saída, colocando
para o futuro a tarefa de superação do trabalho, da ciência e da técnica e da educação
alienadores. No plano da história e da práxis, a questão que nos interpela é: quem
constrói e como se constrói a travessia? Por certo nessa travessia, se entrarmos no
pântano e de terno branco e sairmos de terno branco, como lembra João Cabral de Melo
Neto, a poesia perde a graça.
O outro risco, este específico para o campo da educação, é de que, ao tratar as
análises dos pesquisadores criticados, mesmo com as ressalvas feitas, de ilusões ou
lemas sem consistência teórica, acabe-se reforçando as posturas conservadoras e
neoconservadoras ou pós-modernas já hegemônicas nestes tempos de capitalismo
39
tardio. Por isso, o cuidado, em nossas análises, lembrando o Marx do Dezoito Brumário
de Luis Bonaparte, é para que a frase não vá além do conteúdo.
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