quinta-feira, 13 de outubro de 2011

AS PRÁTICAS DO APARTHEID


 Um pouco de história... Apartheid.


A décima nona edição da Copa do Mundo de Futebol, que aconteceu na África do Sul de 11 de junho a 11 de julho de 2010, e que foi a primeira Copa a ser realizada em continente africano, teve a Espanha como grande campeã. Infelizmente para nós brasileiros, nossa Seleção foi derrotada pela Holanda nas quartas de final.
Mas deixando de lado a paixão pelo futebol, a Copa da África teve um papel fundamental, algo além da emoção esportiva.
Marcada historicamente pelo apartheid – 1948 a 1994 –, que segregou política, social, cultural e economicamente os negros, a África do Sul foi palco de uma importante virada.  A Copa do Mundo foi a oportunidade que a população sul-africana teve para virar definitivamente a triste página da segregação racial na sua história.
Neste artigo, tentarei mostrar o que foi o regime do apartheid e qual a participação de Nelson Mandela – uma das figuras mais importantes da história contemporânea – neste processo.

Em 1497 os portugueses com uma expedição de Vasco da Gama, quando iam para a região das Índias, mapearam o que mais tarde corresponderia ao território da África do Sul, entretanto não influenciando na segregação racial ocasionada pelo apartheid. A origem do apartheid se inicia no período da colonização sul africana. Os colonizadores boers (holandeses) estabeleceram-se através da Companhia Holandesa das Índias Orientais na região do Cabo, no extremo sul do país. Esses colonizadores expulsaram os nativos africanos de suas terras, dando assim início ao processo de segregação racial.
Após a Revolução Francesa, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, temendo o tráfico entre os oceanos Atlântico e Índico pediu proteção aos ingleses. Estes passaram a ocupar a colônia, fazendo com que os holandeses perdessem muitos de seus territórios. Somente em 1803 os boers recuperaram a colônia e voltaram a ocupá-la. Ainda assim a influência inglesa era muito forte, sendo que a luta pela estratégica região do Cabo se desenvolveu por todo o século XVIII entre boers e ingleses.
Além disso, a resistência africana, de diversas comunidades que ali habitavam antes da colonização, dificultava esta dominação estrangeira. É o caso dos xhosas, que possuíam uma organização social baseada na tradição guerreira e os zulus que resistiram em vários momentos e ao longo dos séculos XVIII e até mesmo XIX. Sendo assim, os sul-africanos não estiveram passivos a esta disputa dos colonizadores. Colonizadores estes que por pouco tempo demonstraram alguma tolerância com as comunidades africanas, dando espaço assim que puderam a violência, a escravidão e a exploração de matérias primas.
Os holandeses, em menor número, começaram a estabelecer uma colônia, que denominaram de Orange, após enfrentarem a resistência dos bantos que residiam naquela localidade. Estes possuíam um modo de colonizar diferente dos ingleses, inclusive por dependerem da mão de obra escrava dos nativos, para a extração de matérias primas. Os conflitos, entretanto, não deixavam de existir. E estas lutas entre ingleses e holandeses, denominada Guerra dos Boers durou de 1899 até 1902. Onde por fim as últimas tentativas dos boers de reconquistarem a África do Sul se vêem em derrocada, sendo os ingleses os colonizadores predominantes a partir de então.
É importante salientar que a luta entre ingleses e holandeses se intensificou com a descoberta de jazidas de pedras preciosas e diamantes na região do Orange e do Transvaal. E devido a este fator os ingleses se interessaram mais por esta região que estava sob a direção holandesa. Neste período da história os ingleses, já teriam passado pela Primeira Revolução Industrial e o imperialismo britânico já era um sistema sólido, só que em pleno século XIX, sua balança comercial estava deficitária. E a descoberta dessas riquezas africanas poderia ajudar a equilibrá-la novamente.
No ano de 1910, o conceito de nação africânder se estabelece. A população branca passa a construir uma ideologia segregacionista e a criação de uma estrutura jurídica com o intuito de favorecer a minoria branca no país, criando-se assim o termo apartheid, referindo-se a política racial implantada na África do Sul, que passaria a ser considerado como o único país do mundo em cuja Constituição está escrito o racismo, assim proclama o Comitê Especial da ONU contra o apartheid.
Muitos historiadores apontam três componentes principais que irão difundir as práticas do apartheid:  a língua africânder, elemento de unificação da sociedade, que possibilitaria o maior domínio por parte do brancos europeus; a religião protestante calvinista, que trazia uma ideologia determinista; e a história que os colonizadores modificaram para atender aos seus interesses.
A língua era uma maneira de controle social, e uma forma de reprimir resistências dos sul-africanos, que eram incumbidos de aprender esta maneira de se comunicar. Para se adequarem, assim, ao sistema pelo qual foram submetidos. Já a religião estava diretamente relacionada à história que os europeus tentaram oficializar, e como eles se consideravam diante dos nativos africanos. Os holandeses de origem calvinista acreditavam que aquela terra era uma “Terra Prometida” e que eles eram o povo prometido a esta região, sendo assim uma população superior aos khois (nativos), e estas idéias logo foram difundidas pela África do Sul, e utilizadas como bases ideológicas do apartheid.
O que esta minoria branca justifica e traz para a história que queriam agregar à África do Sul é a idéia de que eles seriam o povo que veio para “salvar” os africanos, civilizando-os e guiando-os para um caminho de paz. Este “povo escolhido”, assim, não podia se misturar com os “impuros”, ou seja, procriar com eles, e tinha o direito à terra de forma inalienável, para construir a “Terra prometida, dada por Deus”.
A igreja africânder passa a dominar a vida política, por serem responsáveis de disseminar esta ideologia entre os brancos e efetivar as práticas do apartheid. E muitas delas foram de extrema importância para a história da segregação racial neste país. Líderes religiosos ocuparam cargos políticos, divulgavam estas idéias e estabeleceram leis e normas de conduta entre brancos, negros e indianos. A Igreja e o Estado caminhavam juntos para a institucionalização do apartheid.
A partir de 1921 a União Sul-Africana passou a ser reconhecida como República Livre diante da Comunidade Britânica das Nações, em 1934 abole-se a cidadania britânica e cria-se a nacionalidade sul-africana. E em 1936 um africânder é nomeado como governador do domínio pelo governo britânico. Mas foi somente em 1948, com a vitória do Partido Nacional (PN) que o apartheid se estabelece oficialmente na África do Sul, representando os interesses das elites brancas e eliminando integralmente por um longo tempo alguns direitos políticos e sociais que ainda existiam em algumas províncias sul-africanas.
Mas, as leis começaram a vigorar mesmo antes desse governo mais radical do apartheid. Em 1913 foi criada a Lei de Terras Nativas que restringiu a área para a ocupação africana e separou os arrendatários de suas terras, sendo apenas 13% das terras reservadas aos negros. Esta Lei da Terra dividiu a África do Sul em áreas em que só os brancos podiam ter terras separadamente da área dos negros.
Em 1923, estabelece a segregação racial em áreas urbanas, provocando o deslocamento dos povos não brancos para reservas isoladas, dentre elas estava à reserva dos bantustões, um confinamento delimitado para a população negra dentro da África do Sul. Outras leis também são de extrema importância neste período como a Lei de Proibição do Casamento Misto, em 1949.

Principais Leis do apartheid:


  • Lei da Imoralidade, tornando ato  criminoso uma pessoa branca ter relações sexuais com uma pessoa de raça diferente;
  • Lei de Registro Populacional, que requeria a todos os cidadãos um registro racial, negros, brancos e mestiços;
  • Lei de Supressão ao Comunismo, que bania qualquer partido de oposição ao governo que fosse considerado como "comunista";
  • Leis de Áreas de Agrupamento, o acesso restrito de pessoas de algumas raças há várias áreas urbanas;
  • Lei da Auta-determinação dos Bantos, esta lei estabelecia os chamados "bantustões" para dez diferentes tribos africanas de negros, onde podiam residir e ter propriedades;
  • Lei de Reserva de Benefícios Sociais Separados, que proibiu pessoas de diferentes raças de usar as mesmas instalações públicas, como bebedouros, banheiros, etc.;
  • Lei de Educação Banta, que trouxe várias medidas explicitamente criadas para reduzir o nível da educação recebida pela população negra;
  • Lei das Minas de Trabalho, que formalizava a discriminação do emprego;
  • Lei de Promoção do Autogoverno Negro, que criou "pátrias" nominalmente independentes para pessoas negras. Na prática, o governo sul-africano tinha uma influencia forte sobre os "bantustões”;
  • Lei da Cidadania da Pátria Negra, que mudou o estatuto dos nativos das "pátrias" de forma que eles não fossem mais considerados cidadãos da África do Sul, não tendo assim nenhum direito associado a essa cidadania.
A partir de então, o apartheid vai se fortalecendo e a cada governo tornando-se um sistema ainda mais radical. Os negros só podiam sair de seus guetos se tivessem o passe livre e só podiam trabalhar para os brancos sem condições de romper com este contrato. Neste momento tanto os boers quanto os ingleses lucravam com o apartheid. E os ingleses poderiam assim fortalecer ainda mais o imperialismo através do capitalismo industrial que era financiado pelo capital sul-africano.
No ano de 1958 os partidos nacionalistas compostos por negros foram proibidos e a educação nas escolas teve como agregada o ensino de línguas vernáculas com o intuito de diminuir e fragmentar a resistência. Os negros e suas organizações começaram a pensar em um modo de tornar seus guetos e suas terras em um país independente do restante das terras dos brancos. Sendo que entre 1970 e 1980 a situação já fugia do controle estatal.
Diante disso o presidente deste período, Pieter Botha, teve que revogar algumas leis raciais, para amenizar a dureza do sistema. Dentre elas a que proibia a liberdade de ir e vir dos negros pelo país, a Lei do Controle de Fluxo, eles poderiam morar, a partir de então, em qualquer território da África do Sul, não só nos guetos, entre outras concessões, demonstrando a partir daí um inicial enfraquecimento do apartheid.
Aconteceram várias ações populares de resistência. Em fins da década de 1940 o Congresso Nacional Africano (CNA) que já existia desde 1912, preparou-se para as diversas campanhas de resistência sul-africana contra o apartheid, contando com Nelson Mandela como secretário geral e presidente. Durante 1952 foi organizado uma extensa Campanha de Desobediência às leis do apartheid, porém, a Campanha não teve o retorno desejado.
A violência contra o povo negro nos anos de 1950 a 1970 aumentou levando milhares de pessoas à prisão. Contudo, foi criado o Congresso do Povo, que aprovaria um dos mais importantes documentos que mostrava o desejo do povo africano com relação ao futuro político na África do Sul. Esse documento ficou conhecido como a Carta da Liberdade.

Na década de 1960, depois de uma manifestação popular, 67 pessoas foram mortas pela polícia, obrigando o CNA a mudar sua tática de combate. Tática essa, que de pacífica passa a ser armada, tentando assim conseguir a libertação nacional. Várias lideranças do CNA foram presas, inclusive Nelson Mandela. Durante os anos 1970, a África do Sul sofreu inúmeras revoltas sociais da maioria negra, sendo estas sempre reprimidas pelo governo. Porém as revoltas se intensificaram juntamente com a pressão internacional.
Em 1989, Frederic. W de Klerk assume a presidência da África do Sul, sendo que em 1990, mudanças significativas conduzem o fim oficial do apartheid. Neste mesmo ano, o líder negro Nelson Mandela, que desde 1964 cumpria pena de prisão perpétua, é posto em liberdade. Em 1993, Mandela é eleito presidente da África do Sul através de eleições livres e governa de 1994 a 1999, sendo responsável pelo fim do regime segregacionista.
Agressões mentais ou corporais, prisão arbitrária ou ilegal, enfim, qualquer medida legislativa calculada para evitar que um grupo ou grupos raciais participem da vida política, social, econômica ou cultural de um país é crime. Após o apartheid, a ONU, preocupa-se bastante com esses tipos de intolerância, e vem promovendo ações sociais no mundo para evitar que um novo apartheid ocorra.
Mesmo que o apartheid ainda tenha deixado resquícios físicos, econômicos, sociais e culturais, ele não é mais um regime outorgado ou validado por leis. Sendo assim, não existe mais de forma legal entre os sul-africanos.
É importante considerar que o apartheid já está findado, mas sua ideologia ainda persiste na mentalidade do povo africano, principalmente nos mais antigos. Não é fácil esquecer quase cem anos de segregação e preconceito. E ainda hoje se pode ver as mazelas do apartheid deixadas na África do Sul, que vem tentando se reerguer desde o século XX.

Nelson Mandela:



Nascido em Qunu em 18 de julho de 1918, formou-se em Direito e desde cedo se mostrou interessado em atividades políticas. Em 1942 se ingressa no Congresso Nacional Africano (CNA).


Durante a década de 1950, Nelson Mandela foi um dos principais membros do movimento antiapartheid. Participou da divulgação da Carta da Liberdade em 1955, documento pelo qual defendia um programa para o fim do regime segregacionista e que mostrava o interesse da maioria negra pelo futuro político, social e econômico do país.
Mandela que sempre defendeu a luta pacífica contra o apartheid acabaria mudando de posição depois do massacre de manifestantes em 1960, onde 67 pessoas foram mortas pela polícia sul-africana. Daí então Mandela passou a defender a luta armada contra o sistema.
Em 1962, foi preso e condenado a cinco anos de prisão, porém, em 1964, Mandela foi novamente julgado e desta vez condenado a prisão perpétua. Mandela permaneceu preso de 1964 a 1990. Mesmo na prisão conseguiu enviar cartas para organizar e incentivar a luta contra este regime de segregação.

Em 11 de fevereiro de 1990, o então presidente sul-africano, Frederik de Klerk, com o aumento das pressões internacionais, solicitou a libertação de Mandela e a legalidade do CNA.
Em 1994, Mandela tornou-se o primeiro presidente negro sul-africano, governando o país até 1999 sendo responsável pelo fim do regime segregacionista do apartheid. Com isso Nelson Mandela tornou-se um símbolo da luta contra o racismo na África do Sul.

Algumas frases de Nelson Mandela:
"Sonho com o dia em que todas as pessoas levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos."
"Uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável combinação."
"A educação é a arma mais forte que você pode usar para mudar o mundo." 
"A luta é a minha vida. Continuarei a lutar pela liberdade até o fim de meus dias."


Trecho da Carta da Liberdade:


“Nós, o Povo da África do Sul, Declaramos
a Todo o Nosso País e ao Mundo:
  • Que a África do Sul pertence a todos os que nela vivem, negros e brancos, e que nenhum Governo pode fazer valer sua autoridade, a menos que esta autoridade tenha emanada do povo e esteja baseada na vontade de todo o povo;
  • Que nosso povo tem roubado de sua terra de nascença, a liberdade e a paz, uma forma de governo fundado na injustiça e da desigualdade;
  • Que o nosso País nunca será próspero e livre até que todo o nosso povo possa viver em fraternidade, e que goze de direitos iguais e de oportunidades iguais;
  • Que somente um Estado democrático, baseado na vontade de todo o povo, pode garantir a todos o seu direito de primogenitura, sem qualquer distinção de cor, raça, sexo ou crença;
  • Portanto, nós, o povo da África do Sul, negros e brancos, compatriotas e irmãos, decidimos adotar esta Carta da Liberdade.”

DIGA NÃO A TODO TIPO DE PRECONCEITO!!!



REFERÊNCIAS:   
LOPES, Marta Maria. O apartheid: a ideologia do apartheid as perspectivas da África do Sul, as lideranças negras. São Paulo: Atual, 1990.
M’BOKOLO, Elikia. As preaticas do apartheid. In: FERRO, Marc (org). O livro negro do colonialismo. São Paulo: ediouro, 2004.
MENDONÇA, Maria Gusmão de. Um caso particular: dilemas da África do Sul contemporânea In:_______História da África. São Paulo: LTCE Editora, 2008.
PEREIRA, Francisco José. Apartheid o horror branco na África do Sul. São Paulo: Brasiliense S.A.,1985.
SERRANO, Carlos, e WALDMAN, Mauricio. Memória D´África. A temática africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, 2007.





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