terça-feira, 21 de junho de 2011

ARTIGO DE GIOVANNI - SOBRE O CAPITALISMO GLOBAL E A CONJUNTURA EUROPÉIA...

A crise européia e o “moinho satânico” do capitalismo global

A crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global. O artigo é de Giovanni Alves.

A crise financeira de 2008 expõe com candência inédita, por um lado, a profunda crise do capitalismo global e, por outro, a débâcle político-ideológico da esquerda socialista européia intimada a aplicar, em revezamento com a direita ideológica, os programas de ajustes ortodoxos do FMI na Grécia, Espanha e Portugal, países europeus que constituem os “elos mais fracos” da União Européia avassalada pelos mercados financeiros. 

Aos poucos, o capital financeiro corrói o Estado social europeu, uma das mais proeminentes construções civilizatórias do capitalismo em sua fase de ascensão histórica. Com a crise estrutural do capital, a partir de meados da década de 1970, e a débâcle da URSS e o término da ameaça comunista no Continente Europeu, no começo da década de 1990, o “capitalismo social” e seu Welfare State, tão festejado pela social-democracia européia, torna-se um anacronismo histórico para o capital. Na verdade, a União Européia nasce, sob o signo paradoxal da ameaça global aos direitos da cidadania laboral. É o que percebemos nos últimos 10 anos, quando se ampliou a mancha cinzenta do desemprego de longa duração e a precariedade laboral, principalmente nos “elos mais fracos” do projeto social europeu. Com certeza, a situação do trabalho e dos direitos da cidadania laboral na Grécia, Espanha e Portugal deve piorar com a crise da dívida soberana nestes países e o programa de austeridade do FMI.

Vivemos o paradoxo glorioso do capital como contradição viva: nunca o capitalismo mundial esteve tão a vontade para aumentar a extração de mais-valia dos trabalhadores assalariados nos países capitalistas centrais, articulando, por um lado, aceleração de inovações tecnológicas e organizacionais sob o espírito do toyotismo; e por outro lado, a proliferação na produção, consumo e política, de sofisticados dispositivos de “captura” da subjetividade do homem que trabalha, capazes de exacerbar à exaustão, o poder da ideologia, com reflexos na capacidade de percepção e consciência de classe de milhões e milhões de homens e mulheres imersos na condição de proletariedade.

Deste modo, a crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global. 

Ora, uma parcela considerável de intelectuais e publicistas europeus têm uma parcela de responsabilidade pela “cegueira ideológica” que crassa hoje na União Européia. Eles renunciaram há tempos, a uma visão critica do mundo, adotando como único horizonte possível, o capitalismo e a Democracia – inclusive aqueles que se dizem socialistas. Durante décadas, educaram a sociedade e a si mesmos, na crença de que a democracia e os direitos sociais seriam compatíveis com a ordem burguesa. O pavor do comunismo soviético e a rendição à máquina ideológica do pós-modernismo os levaram a renunciar a uma visão radical do mundo. Por exemplo, na academia européia – que tanto influencia o Brasil – mesmo em plena crise financeira, com aumento da desigualdade social e desmonte doWelfare State, abandonaram-se os conceitos de Trabalho, Capitalismo, Classes Sociais e Exploração. Na melhor das hipóteses, discutem desigualdades sociais e cidadania...

Há tempos o léxico de critica radical do capitalismo deixou de ser utilizado pela nata da renomada intelectualidade européia, a maior parte dela, socialista, satisfeita com os conceitos perenes de Cidadania, Direitos, Sociedade Contemporânea, Democracia, Gênero, Etnia, etc – isto é, conceitos e categoriais tão inócuas quanto estéreis para apreender a natureza essencial da ordem burguesa em processo e elaborar com rigor a crítica do capitalismo atual. Na verdade, para os pesquisadores da “classe média” intelectualizada européia, muitos deles socialistas “cor-de-rosa”, a esterilização da linguagem crítica permite-lhes pleno acesso aos fundos públicos (e privados) de pesquisa institucional. 

É claro que esta “cegueira ideológica” que assola o Velho Continente decorre de um complexo processo histórico de derrota do movimento operário nas últimas décadas, nos seus vários flancos – político, ideológico e social: o esclerosamento dos partidos comunistas, ainda sob a “herança maldita” do stalinismo; a “direitização” orgânica dos partidos socialistas e sociais-democratas, que renunciaram efetivamente ao socialismo como projeto social e adotaram a idéia obtusa de “capitalismo social”; o débâcle da União Soviética e a crise do socialismo real, com a intensa campanha ideológica que celebrou a vitória do capitalismo liberal e do ideal de Democracia. A própria União Européia nasce sob o signo da celebração da globalização e suas promessas de desenvolvimento e cidadania.Last, but not least, a vigência da indústria cultural e das redes sociais de informação e comunicação que contribuíram – apesar de suas positividades no plano da mobilização social – para a intensificação da manipulação no consumo e na política visando reduzir o horizonte cognitivo de jovens e adultos, homens e mulheres à lógica do establishment, e, portanto, à lógica neoliberal do mercado, empregabilidade e competitividade.

Na medida em que se ampliou o mundo das mercadorias, exacerbou-se o fetichismo social, contribuindo, deste modo, para o “derretimento” de referenciais cognitivos que permitissem apreender o nome da “coisa” que se constituía efetivamente nas últimas décadas: o capitalismo financeiro com seu “moinho satânico” capaz de negar as promessas civilizatórias construídas na fase de ascensão histórica do capital.

Não deixa de ser sintomático que jovens de classe média indignados com a “falsa democracia” e o aumento da precariedade laboral em países como Portugal e Espanha, tenham levantado bandeiras inócuas, vazias de sentido, no plano conceitual, para expressar sua aguda insatisfação com a ordem burguesa. Por exemplo, no dia 5 de junho de 2011, dia de importante eleição parlamentar em Portugal, a faixa na manifestação de jovens acampados diante da célebre catedral de Santa Cruz em Coimbra (Portugal), onde está enterrado o Rei Afonso Henriques, fundador de Portugal, dizia: “Não somos contra o Sistema. O Sistema é que é Contra Nós”. Neste dia, a Direita (PSD-CDS) derrotou o Partido Socialista e elegeu a maioria absoluta do Parlamento, numa eleição com quase 50% de abstenção e votos brancos. Enfim, órfãos da palavra radical, os jovens indignados não conseguem construir, no plano do imaginário político, uma resposta científica e radical, à avassaladora condição de proletariedade que os condena a uma vida vazia de sentido. 

Na verdade, o que se coloca como tarefa essencial para a esquerda radical européia - e talvez no mundo em geral - é ir além do mero jogo eleitoral e resgatar a capacidade de formar sujeitos históricos coletivos e individuais capazes da “negação da negação” por meio da democratização radical da sociedade. Esta não é a primeira - e muito menos será a última - crise financeira do capitalismo europeu. Portanto, torna-se urgente construir uma “hegemonia cultural” capaz de impor obstáculos à “captura” da subjetividade de homens e mulheres pelo capital. Para que isso ocorra torna-se necessário que partidos, sindicatos e movimentos sociais comprometidos com o ideal socialista, inovem, isto é, invistam, mais do que nunca, em estratégias criativas e originais de formação da classe e redes de subjetivação de classe, capazes de elaborar – no plano do imaginário social – novos elementos de utopia social ou utopia socialista. Não é fácil. É um processo contra-hegemônico longo que envolve redes sociais, partidos, sindicatos e movimentos sociais. Antes de mais nada, é preciso resgatar (e re-significar) os velhos conceitos e categorias adequadas à critica do capital no século XXI. Enfim, lutar contra a cegueira ideológica e afirmar a lucidez crítica, entendendo a nova dinâmica do capitalismo global com suas crises financeiras. 

Ora, cada crise financeira que se manifesta na temporalidade histórica do capitalismo global desde meados da década de 1970 cumpre uma função heurística: expor com intensidade candente a nova dinâmica instável e incerta do capitalismo histórico imerso em candentes contradições orgânicas. 

Na verdade, nos últimos trinta anos (1980-2010), apesar da expansão e intensificação da exploração da força de trabalho e o crescimento inédito do capital acumulado, graças à crescente extração de mais-valia relativa, a produção de valor continua irremediavelmente aquém das necessidades de acumulação do sistema produtor de mercadorias. É o que explica a financeirização da riqueza capitalista e a busca voraz dos “lucros fictícios” que conduzem a formação persistente de “bolhas especulativas” e recorrentes crises financeiras. 

Apesar do crescimento exacerbado do capital acumulado, surgem cada vez mais, menos possibilidades de investimento produtivo de valor que conduza a uma rentabilidade adequada às necessidades do capital em sua etapa planetária. Talvez a voracidade das políticas de privatização e a expansão da lógica mercantil na vida social sejam estratégias cruciais de abertura de novos campos de produção e realização do valor num cenário de crise estrutural de valorização do capital. 

Ora, esta é a dimensão paradoxal da crise estrutural de valorização. Mesmo com a intensificação da precarização do trabalho em escala global nas últimas décadas, com o crescimento absoluto da taxa de exploração da força de trabalho, a massa exacerbada de capital-dinheiro acumulada pelo sistema de capital concentrado, não encontra um nível de valorização – produção e realização - adequado ao patamar histórico de desenvolvimento do capitalismo tardio. 

Deste modo, podemos caracterizar a crise estrutural do capitalismo como sendo (1) crise de formação (produção/realização) de valor, onde a crise capitalista aparece, cada vez mais, como sendo crise de abundância exacerbada de riqueza abstrata. Entretanto, além de ser crise de formação (produção/realização) de valor, ela é (2) crise de (de)formação do sujeito histórico de classe. A crise de (de)formação do sujeito de classe é uma determinação tendencial do processo de precarização estrutural do trabalho que, nesse caso, aparece como precarização do homem que trabalha. 

Ora, a precarização do trabalho não se resume a mera precarização social do trabalho ou precarização dos direitos sociais e direitos do trabalho de homens e mulheres proletários, mas implica também a precarização-do-homem-que-trabalha como ser humano-genérico. A manipulação – ou “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital – assume proporções inéditas, inclusive na corrosão político-organizativa dos intelectuais orgânicos da classe do proletariado. Com a disseminação intensa e ampliada de formas derivadas de valor na sociedade burguesa hipertardia, agudiza-se o fetichismo da mercadoria e as múltiplas formas de fetichismo social, que tendem a impregnar as relações humano-sociais, colocando obstáculos efetivos à formação da consciência de classe necessária e, portanto, à formação da classe social do proletariado. 

Deste modo, o capitalismo global como capitalismo manipulatório nas condições da vigência plena do fetichismo da mercadoria, expõe uma contradição crucial entre, por um lado, a universalização da condição de proletariedade e, por outro lado, a obstaculização efetiva – social, política e ideológica - da consciência de classe de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho.

Imerso em candentes contradições sociais, diante de uma dinâmica de acumulação de riqueza abstrata tão volátil, quanto incerta e insustentável, o capitalismo global explicita cada vez mais a sua incapacidade em realizar as promessas de bem-estar social e emprego decente para bilhões de homens e mulheres assalariados. Pelo contrário, diante da crise, o capital, em sua forma financeira e com sua personificação tecnoburocrática global (o FMI), como o deus Moloch, exige hoje sacrifícios perpétuos e irresgatáveis das gerações futuras.

Entretanto, ao invés de prenunciar a catástrofe final do capitalismo mundial, a crise estrutural do capital prenuncia, pelo contrário, uma nova dinâmica sócio-reprodutiva do sistema produtor de mercadorias baseado na produção critica de valor. 

Apesar da crise estrutural, o sistema se expande, imerso em contradições candentes, conduzido hoje pelos pólos mais ativos e dinâmicos de acumulação de valor: os ditos “países emergentes”, como a China, Índia e Brasil, meras “fronteiras de expansão” da produção de valor à deriva. Enquanto o centro dinâmico capitalista – União Européia, EUA e Japão - “apodrece” com sua tara financeirizada (como atesta a crise financeira de 2008 que atingiu de modo voraz os EUA, Japão e União Européia), a periferia industrializada “emergente” alimenta a última esperança (ou ilusão) da acumulação de riqueza abstrata sob as condições de uma valorização problemática do capital em escala mundial (eis o segredo do milagre chinês).

Portanto, crise estrutural do capital não significa estagnação e colapso da economia capitalista mundial, mas sim, incapacidade do sistema produtor de mercadorias realizar suas promessas civilizatórias. Tornou-se lugar comum identificar crise com estagnação, mas, sob a ótica do capital, “crise” significa tão-somente riscos e oportunidades históricas para reestruturações sistêmicas visando a expansão alucinada da forma-valor. Ao mesmo tempo, “crise” significa riscos e oportunidades históricas para a formação da consciência de classe e, portanto, para a emergência da classe social de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho e estão imersos na condição de proletariedade. Como diria Marx, Hic Rhodus, hic salta!

(*) Giovanni Alves é professor da UNESP, pesquisador do CNPq, atualmente fazendo pós-doutorado na Universidade de Coimbra/Portugal e autor do livro“Trabalho e Subjetividade – O “espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Editora Boitempo, 2011). Site: http://www.giovannialves.org /e-mail: giovanni.alves@uol.com.br
 

BLOGUEIROS PROGRESSISTA E LIDERANÇAS DEBATEM COMUNICAÇÃO EM BRASILIA...

2º BlogProg: novo marco regulatório das comunicações ainda longe de se concretizar. É hora de mobilizar

18/06/2011

Blogueiros progressistas e lideranças debatem comunicação em Brasília

Escrito por: Isaías Dalle

Dois momentos diferentes nas atividades do 2º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas. Na noite de sexta, mais festiva porque de abertura, aplausos acalorados para o presidente Lula, que arrancou também várias gargalhadas da platéia de mais de 500 pessoas ao falar como convidado e ainda foi recebido por uma nova palavra de ordem, releitura de outra mais antiga: “Lula, blogueiro, do povo brasileiro”.

Já na manhã deste sábado, mais sisuda porque dedicada a debates mais profundos, a leitura dos expositores foi na linha de questionar as diferenças entre o raio de ação de governos e Estado e o real poder, “que não é do Estado nem do governo”, como afirmou o professor e jurista Fabio Konder Comparato, um dos debatedores.

Um resumo possível da manhã de hoje: a) sem democratização das comunicações, não será possível realizar as outras reformas necessárias – como a agrária, a política e a tributária –, uma vez que a concentração dos meios de comunicação na mão de poucos grupos impede a difusão das informações transformadoras; b) os sucessivos governos, incluindo os oitos anos de governo Lula e os primeiros instantes do governo Dilma, não enfrentaram a questão do monopólio das comunicações.

A questão, portanto, está em aberto e os obstáculos são imensos.

Daí a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, tema da primeira mesa de debates do sábado. O professor Venício Santos Lima, pesquisador e autor de livros sobre o tema, destaca que esse debate sobre um novo marco para a comunicação teve início, no mínimo, durante o processo constituinte, na segunda metade dos anos 1980. E que voltou à cena e ao noticiário no início do primeiro mandato de FHC, entre os anos 1994 e 1995.

“Isso significa que não é verdade, ao contrário do que dizem aqueles que não querem um novo marco regulatório, que esse debate surgiu no governo Lula e que possa significar uma tentativa de censura ao meios”, disse Venício. “Ao contrário, esse é um debate para dar voz a quem não tem”. Lembrando citação do padre Antonio Vieira, Venício comentou: “O problema do Brasil é que ele não tem voz. O povo pobre não pode se expressar”.

No debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações, a questão da propriedade cruzada de emissoras de TV, rádio e jornal impresso por uma mesma pessoa ou grupo econômico sempre vem à tona.

“A dominação dos meios faz parte dos núcleos, e não da superfície do poder capitalista”, afirmou Fabio Konder Comparato. O jurista destacou que foi a necessidade de dominar os meios que levou o capitalismo a desenvolver novas tecnologias na área e chegar ao rádio e à TV, um instrumento de informação instantâneo, mas que circula a mensagem apenas em sentido único. Quem a recebe não participa do processo.

Concentrada como é, tem um poder imenso. Comparato ainda discorreu sobre a impotência dos órgãos de Estado diante dessa máquina oligárquica. Para ilustrar a tese, citou como exemplo uma história que aconteceu com “um professor idiota de São Paulo”, numa alusão bem-humorada a ele mesmo. Depois de enviar um carta ao jornal “Folha de S. Paulo”, comentando uma reportagem, viu seu texto publicado junto com um comentário da direção de redação do jornal, que acusava o autor da carta de “cínico e mentiroso”. Diante da grave acusação, buscou reparação na Justiça, que mais tarde inocentaria o jornal.

Concluiu dizendo que, diante desse poder do oligopólio e do monopólio, “não há espaço para a negociação nem para a conciliação de interesses”. Comparato recorreu a outro exemplo, esse mais impactante e amplo que o anterior, para ilustrar esse choque desigual.

Autor de três ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADO), todas para cobrar o cumprimento da regulamentação do dispositivo constitucional que determina revisão periódica das concessões de rádio e TV, Comparato comentou: “Faz três meses que o Ministério Público Federal recebeu as ADOs e não proferiu nenhum parecer, e nem parece que vai emitir um parecer”.

A deputada federal Luiza Erundina, outra debatedora, confirmou essa imensa diferença entre os meios públicos de controle existentes e o poder real da mídia comercial. Desta vez, no Congresso Nacional.

Erundina lembrou que, quando foi integrada à Comissão de Ciência e Tecnologia, não tinha familiaridade com o tema. “Mas lá chegando percebi o caráter estratégico do objeto daquela comissão, que são as telecomunicações. Eu como tenho origem na militância da luta pela terra, percebi que o dia em que a gente democratizar de fato a comunicação, teremos condições de fazer todas as reformas necessárias, inclusive a reforma agrária”.

Porém, tão logo percebeu a importância de acompanhar o tema através do Congresso, notou também que as concessões de rádio e TV são renovadas sem qualquer análise técnica e política séria por parte do Congresso. “Até hoje é assim”, confirma. E informa que o Conselho de Comunicação Social do Congresso, ainda que tivesse apenas caráter consultivo, foi desativado há cinco anos. “Protestei formalmente contra isso por várias vezes, mas não obtive resposta das lideranças, da Presidência do Senado”, disse Erundina.

A deputada federal e também integrante da Frente Parlamentar pela Democratização das Comunicações, lembrou igualmente da imensa dificuldade de realizar audiências públicas para tratar de renovação de concessões de canais de TV e rádio. “Deputado tem muito medo de se indispor com a mídia, é impressionante. Aí desaparecem e não votam”, informou a parlamentar.


Criança esperança

O professor Fabio Konder citou estudo patrocinado pela Unesco e divulgado em fevereiro, em que a entidade da ONU critica a alta concentração dos meios de comunicação em mãos privadas no Brasil.

Após a divulgação desse estudo, a Rede Globo de Televisão – citada nominalmente no trabalho da Unesco – chamou os representantes da entidade no Brasil para ameaçá-los com o fim do programa Criança Esperança, segundo o professor Comparato. Questionado ao fim de sua fala sobre maiores detalhes a respeito desse episódio, o jurista aconselhou que sejam procurados os autores do estudo que irritou a Globo – Toby Mendel e Eve Salomon.

Como uma das formas de a população enfrentar o poder desses monopólios, o professor citou uma de suas bandeiras: a regulamentação da democracia direta no país e a “liberação” – termos dele – dos plebiscitos e referendos no País. “Se pudéssemos usar os referendos e plebiscitos como instrumento da luta popular, é evidente que a casa ia cair”.


Luiza Erundina encerrou o debate com uma fala otimista. Sem discutir os méritos de um certo tom pessimista das análises anteriores, ela afirmou que a “utopia deve ser contada não em nossos anos de vida, mas na perspectiva histórica. Vocês jovens não têm o direito de desanimar”. A deputada fez uma sugestão, diante de pergunta apresentada por um integrante da platéia. “Por que vocês mesmos não criam conselhos estaduais e regionais de comunicação, sem esperar o aval de governador, de prefeito? Isso é luta”. Aplaudida de pé, retomou o microfone para dizer: “Sabe por que vocês gostaram? Porque isso está dentro de vocês”. A deputada destacou que sem mobilização, o processo de mudança ficará mais difícil ainda.
Mesa com Erundina, Comparato e Venício
Mesa com Erundina, Comparato e Venício

Logo depois, em outra mesa de debate, José Dirceu, ele mesmo um blogueiro, disse que à consolidação desse movimento de comunicação é preciso iniciar uma nova fase. "Acho que estamos na hora de organizar mobilizações para pressionar pelo novo marco regulatório".


Na noite de sexta

O ex-presidente Lula foi a estrela da noite de sexta. Elogiou os blogueiros e agradeceu o papel desempenhado pelos blogs e pelas redes sociais progressistas no trabalho de desmentir as armadilhas da campanha eleitoral de José Serra (como no caso do “meteorito de papel”, como lembrado por Lula).

Depois dele, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, procurou fugir de perguntas espinhosas sobre o enfrentamento de monopólios como o da Globo, mas adiantou ao menos duas propostas. A primeira, a de que até o final deste ano chegará a internet banda larga a R$ 35,00, oferecendo 1 M de conexão. A outra, profundamente ligada à primeira, é de que a Telebrás está no comando da expansão da rede, mas que atuará em conjunto com as empresas privadas, alterando, no entanto, cláusulas contratuais que o governo tem com esses grupos, obrigando-os a cumprir as metas de acesso e distribuição a ser estabelecidas pelo futuro Plano Nacional de Banda Larga, prevendo punições para descumprimentos.
O ministro deu a resposta motivado por intervenções como a da secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti. "Eu queria que ele fosse além e falasse sobre instrumentos de controle social sobre a ampliação da banda larga e a fiscalização das empresas", comentou ela, depois.
o 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas é uma iniciativa do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, da Altercom e do Movimento dos Sem-Mídia, com o apoio, entre outras entidades, da CUT, da FUP, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, do Sindicato dos Bancários de São Paulo, da Rede Brasil Atual e da TVT, que cuidaram da transmissão ao vivo do evento.

O BRASIL ASSUME PLANO DE ACABAR COM A MISÉRIA NO PAÍS...

Dados do governo - mapa sócio-econômico da população considerada em condições de miséria ou pobreza absoluta.

Perfil da população extremamente pobre  estimada em 16 milhões de habitantes
• 59% estão concentrados na Região Nordeste - 9,6 milhões de pessoas;
 Do total de brasileiros residentes no campo, um em cada quatro se encontra em
extrema pobreza (25,5%); ou 4,1 milhões de pessoas.
• 51% tem até 19 anos de idade;
• 40% tem até 14 anos de idade;
• 53% dos domicílios não estão ligados à rede geral de esgoto pluvial ou fossa séptica;
• 48% dos domicílios rurais em extrema pobreza não estão ligados à rede geral de distribuição de água e não têm poço ou nascente na propriedade;
• 71% são negros (pretos e pardos);
• 26% são analfabetos (15 anos ou mais).=4 milhões de pessoas.
 
 
TERRA, TRABALHO, ESCOLA  E RENDA PARA TODOS E TODAS....

MNLMBRASIL - CARTA ENTREGUE A PRESIDENTA DILMA...

Segue documento entregue a Presidenta Dilma na apresentação do MCMV II



Somos o Movimento Nacional de Luta pela Moradia do Brasil – MNLM/Brasil com 20 anos de luta pela Reforma Urbana no Brasil e herdeiros da utopia de milhares de brasileiros que lutam por uma Sociedade/Cidade sem exclusão.
Nossa MISSÃO é articular lutas/lutadores e experiências diversas pelo Direito à Moradia Digna e a Cidade na direção da Reforma Urbana. Conquistamos ao lado de entidades aliadas em passado recente, conquistamos inúmeros avanços Institucionais dos quais poderemos citar: A exigência constitucional de cumprimento da função social da propriedade, Art. 182 e 183 Constituição, a aprovação do Estatuto das Cidades; a criação de Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (Conselho, Plano e Fundo) com recursos não onerosos para Habitação de Interesse Social, a criação do Ministério e do Conselho das Cidades com  o conseqüente processo de Conferências e Conselhos das Cidades, organizados de forma a garantir a gestão intersetorial e transversal das políticas e as intervenções urbanas;
Estamos no esforço de construção de um processo coletivo para implantação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano – SNDU com gestão democrática das cidades brasileiras.
Neste momento em que a Habitação recebe o maior aporte de recursos públicos da história, dois sentimentos contraditórios perpassam o conjunto dos lutadores pela Reforma Urbana: De um lado, a certeza inequívoca de que estamos frente a frente com a maior oportunidade histórica de universalizar o Direito a Moradia Digna e a inversão da lógica excludente de produção e reprodução do espaço urbano; Por outro lado o desafio de impedir que estes mesmos recursos consolidem o modo de acumulação de poucos em detrimento das necessidades e os direitos da maioria.
Temos certeza que nossas preocupações encontram eco substancial no Governo de Vossa Excelência pelo que apresentamos algumas delas:
·   Os recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida e do PAC Habitação precisam ser alocados no FNHIS em consolidação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Conhecemos as dificuldades legais e burocráticas inerentes a gastos do OGU, pelo que propomos seja considerada a necessidade de remover os entraves, quer seja os afetos ao modus operandi do Banco CAIXA, quer seja modificações no âmbito da Lei Federal 8666
·   Considerando que a quase totalidade do déficit quantitativo de Moradia localiza-se na faixa de menor renda, solicitamos o aumento percentual do Programa Minha Casa Minha Vida para  esta camada da população;
·   Aumento da parcela de recursos do MCMV-2 destinados ao acesso direto das entidades do Movimento Popular;
·   Monitoramento da implantação dos empreendimentos - quantidade de unidades por empreendimento, infra-estrutura local, questão fundiária, etc – Empoderar o Ministério das Cidades e CONCIDADES para esta missão
·   Inibição do uso do programa MCMV na política de exclusão sócio / territorial (remoções), especialmente nas Regiões e Metrópoles que sediarão competições da Copa e Olimpíada;
·   Estabelecer Diretrizes de Sistema e Programas que avancem no cumprimento do Artigo 6º da Constituição, qual seja a universalização do Direito à Moradia;
·   Empenho do Governo de Vossa Excelência pela aprovação da PEC 285/08, que garante orçamento a longo prazo para a Habitação de Interesse Social.
Por último e não menos importante esperamos de Vossa Excelência, o devido reconhecimento do papel histórico destinado ao Ministério das Cidades na condução da Política Urbana com Gestão Democrática, implantando e consolidando os Sistemas Nacional de Desenvolvimento Urbano e de Habitação de Interesse Social, papel que apenas chegará a termo com recursos, autonomia e gestores historicamente comprometidos com estes desafios.
Sem mais, dispomo-nos junto a Vossa Excelência na grande empreitada que determina o enfrentamento das causas estruturais da desigualdade sociais em nosso país, somando-nos neste que é o grande desafio do Vosso Governo: A erradicação da miséria no nosso rico País.
Respeitosamente,
Coordenação Nacional
Movimento Nacional de Luta pela Moradia do Brasil – MNLM/Brasil

Acampamento do povo Indígena em Santa Maria - não consegue terre para morar...

Lonas pretas, retratos de dor e sofrimento de um povo!
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Roberto Antonio Liebgott
Cimi Regional Sul - Equipe Porto Alegre

O vento frio soprava sobre as chamas de um pequeno fogo no chão. No céu, uma lua clara iluminava a fumaça que subia, como que indo ao seu encontro. Ao redor do fogo algumas mulheres, homens e crianças em silêncio contemplavam a noite. A tranquilidade
Foto: Gapin - Grupo de Apoio aos Povos Indígenas
daquele momento, à luz da lua, ao calor do fogo, era quebrada pelos sons inquietantes e quase que ininterruptos dos caminhões que trafegavam pela estrada. À beira de uma rodovia, os barracos de lonas pretas servem de abrigo e lar para a comunidade Guarani Mbyá do Arenal, localizada sobre o barranco da BR-392, na cidade de Santa Maria/RS. 

O silêncio naquele início de noite, segunda-feira, 13 de junho de 2011, tinha uma única razão. O luto. Morreu, dois dias depois de nascer, Rodrigo Martins. A mãe, Suzana Benites, acometida por uma pneumonia deu a luz prematuramente ao menino. Ela permanece internada em estado grave.

Em 09 de junho de 2011 nasceu mais um Mbya na beira da estrada, debaixo de um barraco de lona preta, sob o frio intenso e úmido de outono. No dia 11 de junho de 2011 ele foi acolhido por Ñhanderu. Foram apenas dois dias vividos. Tempo suficiente para que Rodrigo sentisse no corpo a dor e a angústia de seu povo.

O pequeno Rodrigo veio habitar um mundo doente. Mesmo no ventre de sua mãe sofreu, junto com ela, o descaso, a omissão e a negligência do poder público. Ele foi concebido sob o abrigo das lonas e sobre o chão molhado. Lá, no barranco da estrada, sem as mínimas condições de vida, passou sua gestação guardado e amparado pelo ventre da mãe que adoecia. Ela, mesmo doente, o amou e sonhou com a possibilidade de que o filho pudesse ter uma vida melhor do que a dela e a de seu marido, o Karaí (líder religioso) da comunidade, Marcelino Martins.

A morte do Rodrigo aconteceu porque os órgãos de assistência, especialmente a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (SESAI) e a Prefeitura Municipal de Santa Maria, desprezam o povo Guarani. Desprezam o seu modo de ser. Desprezam seus direitos humanos e constitucionais. Os governos federal, estadual e municipal não reconhecem estes direitos. O abandono e a omissão parecem ser parte de uma política previamente planejada.

Foto: Gapin - Grupo de Apoio aos Povos Indígenas
Não é por acaso que este povo vive, resiste e reclama direitos nas margens de estradas ou em pequenas áreas de terras sem água potável, sem saneamento básico, sem terra para plantar e produzir seu sustento. E na noite em que Suzana Benites dava a luz a Rodrigo, as lideranças Guarani do Arenal reivindicaram apoio médico, bem como solicitaram uma ambulância. E certamente não foi por acaso que elas não foram atendidas.

Nada é por acaso numa sociedade preconceituosa e governada por autoridades e políticos igualmente preconceituosos. Nesta sociedade não há lugar para povos e culturas diferentes, pois estes são oposição ao modo capitalista de ser.

Foto: Gapin - Grupo de Apoio aos Povos Indígenas
O Povo Guarani, assim como os demais povos indígenas, está entre aqueles que os governantes, desde a ditadura militar, gostam de classificar como estorvo, penduricalhos ou entraves. É por isso que não se demarcam as terras, não lhes são destinadas políticas públicas adequadas e coerentes. O máximo que lhes oferecem são esmolas, através de cestas básicas ou as sobras de alguns medicamentos, ou os resquícios de alguma capoeira nas margens de domínio das estradas e/ou pedaços de lonas pretas. Lonas que na essência da imagem são como que retratos da dor e do sofrimento do Povo Guarani no Rio Grande do Sul.

Nisto se resume a política do Estado Brasileiro para os Guarani Mbya. As condições a que se submetem estes homens, mulheres e crianças, são desumanas e inaceitáveis: viver em acampamentos provisórios, desprovidos de tudo o que pode assegurar a vida. E eles seguem vivendo, não por dias ou meses, mas por anos e anos uma situação de desesperadora espera pela ação do poder público, pela constituição de GTs de identificação e delimitação territorial, pela demarcação e garantia das terras. Mas o governo nada faz! Pratica, com isso, um genocídio lento e gradativo. Desrespeita a dignidade e os direitos humanos, sociais, políticos deste povo já tão ultrajado.

Foto: Gapin - Grupo de Apoio aos Povos Indígenas
Mas, apesar do Estado e suas estruturas desumanas, a resposta é a resistência. Impressiona aos que convivem com os Guarani Mbya o fato de que, mesmo diante da dor e do sofrimento, eles se apegam à Vida. Sustentam-se no modo de ser Guarani. Apegam-se a sua cultura, as suas crenças, a sua tradição. Apegam-se a sua religiosidade e rejeitam completamente o modo de ser dos Juruá (brancos).

O que certamente incomoda os governos é constatar que apesar de suas políticas e artimanhas os Guarani não desistem de lutar pelos seus direitos. E certamente incomoda ainda mais as autoridades o fato de que as lutas Guarani não são convencionais ou previsíveis, elas são cotidianas, insistentes e contínuas, tal como o seu modo de viver, num contínuo caminhar. Elas são centradas na crença de que há "uma terra sem mal" e que esta deve ser buscada e conquistada através do diálogo, da tolerância, da perseverança, não como uma utopia, mas como possibilidade real.

Os Guarani do Arenal já apresentaram às autoridades municipais, estaduais e federal um programa de ações para solucionar os problemas a curto, médio e longo prazo. Querem assistência continuada em saúde. Querem também que a Funai crie um grupo de trabalho para proceder aos estudos de identificação e delimitação de uma terra dentro do vasto território Guarani. E desejam ainda que, enquanto isso não acontece, seja destinada uma área para o assentamento das famílias que vivem em beira de estradas, mas este local precisa oferecer condições adequadas para viver, tendo água potável, casas, saneamento básico, assistência em saúde, educação.

As propostas são simples, viáveis e pouco dispendiosas. No entanto, os entes públicos não esboçaram nenhuma intenção em implementá-las. Ao que parece, a omissão, a
Foto: Gapin - Grupo de Apoio aos Povos Indígenas
negligência ou o mero assistencialismo são os traços marcantes de uma política destinada aos povos indígenas, que se concretiza cruelmente na realidade dos acampamentos à beira de rodovias.

Os barracos de lona parecem sinalizar que as reivindicações dos Guarani não têm  a menor importância e que a existência deste povo não interessa ao poder público.  Também não interessa à sociedade que sequer percebe a presença deste povo em acampamentos que agora estão como que incorporados à paisagem.

Esta dura realidade ofende não somente o modo de ser dos Guarani Mbya, como também um conjunto de princípios e de direitos, cunhados com suor e sangue, para resguardar nossa humanidade. Ao submeter os Guarani Mbya a esta condição desumana, o poder público insinua, em síntese, que não há lugar para este povo, num mundo em que a propriedade e a máxima produtividade definem o que conta e o que pode ser descartado. Nega-se assim o direito, nega-se a diferença, nega-se a vida.

Porto Alegre, RS, 17 de junho de 2011.
 Itamar Guilherme

Artigo de Leonardo Boff - Fundação Lauro Campos - O Socialismo e a Liberdade...

Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguirPDFImprimirE-mail
Questões Ideológicas
Leonardo Boff   
Qui, 16 de Junho de 2011 14:37
Leonardo BoffLeonardo BoffHá muitos anos, venho trabalhando sobre a crise de civilização que se abateu perigosamente sobre a humanidade. Não me contentei com a análise estrutural de suas causas, mas, através de inúmeros escritos, tratei de trabalhar positivamente as saidas possíveis em termos de valores e princípios que confiram real sustentatibilidade ao mundo que deverá vir. Ajudou-me muito, minha paricipação na elaboração da Carta da Terra, a meu ver, um dos documentos mais inspiradores para a presente crise. Esta afirma:"o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal".
Dois valores, entre outros, considero axiais, para esse novo começo: a sustentabilidade e o cuidado.
A sustentabilidade, já abordada no artigo anterior, significa o uso racional dos recursos escassos da Terra, sem prejudicar o capital natural, mantido em condições de sua reprodução, em vista ainda ao atendimento das necessidades das gerações futuras que também têm direito a um planeta habitável.
Trata-se de uma diligência que envolve um tipo de economia respeitadora dos limites de cada ecossistema e da própria Terra, de uma sociedade que busca a equidade e a justiça social mundial e de um meio ambiente suficientemente preservado para atender as demandas humanas.
Como se pode inferir, a sustentabilidadae alcança a sociedade, a política, a cultura, a arte, a natureza, o planeta e a vida de cada pessoa. Fundamentalmente importa garantir as condições físico-químicas e ecológicas que sustentam a produção e a reprodução da vida e da civilização. O que, na verdade, estamos constatando, com clareza crescente, é que o nosso estilo de vida, hoje mundializado, não possui suficiente sustentabildade. É demasiado hostil à vida e deixa de fora grande parte da humanidade. Reina uma perversa injustiça social mundial com suas terríveis sequelas, fato geralmente esquecido quando se aborda o tema do aquecimento globl.
A outra categoria, tão importante quanto a da sustentabilidade, é o cuidado, sobre o qual temos escrito vários estudos. O cuidado representa uma relação amorosa, respeitosa e não agressiva para com a realidade e por isso não destrutiva. Ela pressupõe que os seres humanos são parte da natureza e membros da comunidade biótica e cósmica com a responsabilidade de protege-la, regenerá-la e cuidá-la. Mais que uma técnica, o cuidado é uma arte, um paradigma novo de relacionamento para com a natureza, para com a Terra e para com os humanos.
Se a sustentabilidade representa o lado mais objetivo, ambiental, econômico e social da gestão dos bens naturais e de sua distribuição, o cuidado denota mais seu lado subjetivo: as atitudes, os valores éticos e espirituais que acompanham todo esse processo sem os quais a própria sustentabilidade não acontece ou não se garante a médio e longo prazo.
Sustentabilidade e cuidado devem ser assumidos conjutamente para impedir que a crise se transforme em tragédia e para conferir eficácia às praticas que visam a fundar um novo paradigma de convivência ser-humano-vida-Terra. A crise atual, com as severas ameaças que globalmente pesam sobre todos, coloca uma improstergável indagação filosófica: que tipo de seres somos, ora capazes de depredar a natureza e de por em risco a própria sobrevivência como espécie e ora de cuidar e de responsabilizar-nos pelo futuro comum? Qual, enfim, é nosso lugar na Terra e qual é a nossa missão? Não seria a de sermos os guardiães e e os cuidadores dessa herança sagrada que o Universo e Deus nos entregaram que é esse Planeta, vivo, que se autoregula, de cujo útero todos nós nascemos?
É aqui que, novamente, se recorre ao cuidado como uma possível definição operativa e essencial do ser humano. Ele inclui um certo modo de estar-no-mundo-com-os-outros e uma determinada práxis, preservadora da natureza. Não sem razão, uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade e que culmina em Heidegger e em Winnicott defina a natureza do ser humano como um ser de cuidado. Sem o cuidado essencial ele não estaria aqui nem o mundo que o rodeia. Sustentabilidade e cuidado, juntos, nos mostram um caminho a seguir.
Leonardo Boff é teólogo