A luta por terra no Brasil e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
Leonilde Servolo de Medeiros:
Para refletir sobre as lutas por terra no Brasil contemporâneo é preciso levar em
consideração o fato de que ela, sob diversas formas, percorreu nossa história e está
subjacente a vários processos sociais e políticos que marcaram a nossa formação. Os
exemplos se multiplicam no tempo e no espaço: lutas dos indígenas para preservação de
suas áreas, frente à ação dos colonizadores; ocupação de terras por posseiros, desde a
colonização, em busca de áreas para plantar; formação de quilombos por escravos que
fugiam às condições do cativeiro; luta pelo acesso à terra para cultivo de alimentos por
trabalhadores que viviam do trabalho em fazendas, como demonstra a literatura sobre a
expansão da cafeicultura e as demandas dos “colonos do café”; a enorme afluência de
famílias ao chamado do governo getulista, ainda do Estado Novo, para uma “marcha para o
oeste”; as resistências de posseiros, em todos os tempos e lugares, à tentativa de sua
expulsão da terra, seja pela especulação imobiliária urbana (como ocorreu no Rio de
Janeiro, nos anos 1950), seja pela frente de expansão agrícola; as organizações de
lavradores dos anos 1950/1960, em associações civis, suas diversas e criativas formas de
resistências; a emergências das Ligas Camponesas etc. Esses são apenas fatos pontuais que
podem ilustrar esse lado, por vezes esquecido, de nossa história. A ele deve se agregar uma
outra dimensão que é a intensa repressão que a maior parte dessas ações sofreram. A ação
dos “capitães do mato”, em busca de indígenas “rebeldes” ou de negros fugidos, que se
negavam ao trabalho compulsório; a violência do poder privado sobre as populações do
campo, sempre que elas, de alguma forma, negavam-se a se subordinar; a atuação do
Exército na repressão aos seguidores de Conselheiro ou dos rebeldes do Contestado; a
repressão policial às resistências de posseiros ocorridas em Porecatu, Formoso, ou de
“foreiros” em Pernambuco e Paraíba, são indicativos de como a demanda por terra sempre
foi tratada. Paralelamente, constituiu-se uma visão de mundo que recusava a possibilidade
de organização e voz não só aos trabalhadores do campo, como também aos da cidade.
Lembremos que, até os anos 30, a “questão operária” era lida como questão de polícia, ou
seja, negada enquanto possibilidade de organização e ação na busca por direitos que
diversos países do mundo já haviam consagrado.
Nas três últimas décadas, acampamentos e ocupações de terra tornaram-se uma
constante no Brasil, constituindo-se na forma por excelência da luta por terra. Essas ações
vêm demonstrando a continuidade e a amplitude da questão fundiária em nosso país, num
contexto que também é marcado pela intensa modernização tecnológica das atividades
agropecuárias e pela urbanização acelerada. Na sua articulação, destaca-se o papel do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que tem marcado sua presença
quer pela afirmação da importância da reforma agrária, quer pelo esforço de retirar esse
Professora do Curso de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq e bolsista do Programa Cientistas do
Nosso Estado da Faperj (2003/2008). Leonilde Servolo de Medeiros, A luta pela terra no Brasil, março de 2009
tema dos quadros estritos do meio rural e da questão fundiária, mostrando suas articulações
com opções políticas nacionais, projetos de nação e modelos de desenvolvimento. Mas não
apenas o MST promove acampamentos e ocupações. Nelas passaram a investir, desde os
anos 90, algumas federações de trabalhadores da agricultura ligadas à estrutura sindical da
Contag e, mais recentemente, sindicatos ligados à Fetraf. Surgiram também inúmeros
“movimentos”, de caráter mais localizado, que fizeram dos acampamentos e ocupações as
formas por excelência de luta. Sigaud (2000) usa a expressão “forma acampamento” para
dar conta dessa proliferação de ações e indicar como, por meio dessa “forma”, as
populações envolvidas acabam publicizando suas demandas. Na mesma lógica, Rosa
(2004) fala na “forma movimento”. ..
Veja aqui alguns links para aprimorar suas buscas e pesquisas.
http://www.mst.org.br/