- Fonte: http://www.moodle.sead.furg.br/file.php/1610/Nanociencias/Bibliografia_Nanociencias/nanomaquinas284_1_.pdf
- A NANOMÁQUINAS
- QUÍMICOS COMO ARQUITETOS
- DO MUNDO MOLECULAR
- LAGUNA DESIGN/SCIENCE PHOTO LIBRARY/LATINSTOCKQ U Í M I C A
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- Elas são como as máquinas que inundam nosso cotidiano. Têm eixos,
- rolamentos, engrenagens, rodas, chassis... Giram, dobram, esticam, encolhem, abrem e fecham partes de sua complexa estrutura. Respondem
- a comandos e são alimentadas por energia. A diferença é que suas dimensões são da ordem do bilionésimo de metro. Ou seja, dispositivos
- cujos tamanhos equivalem a dezenas ou centenas de átomos enfi leirados.
- As nanomáquinas já invadiram os laboratórios do mundo. E esse arsenal
- vem sendo recrutado para executar tarefas – na área médica, ambiental
- e farmacêutica – impossíveis para seus congêneres macroscópicos.
- Célia Machado Ronconi
- Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia,
- Instituto de Química, Universidade Federal Fluminense
- ma máquina pode ser defi nida como um aparelho – formado por componentes, como motor, pistão, válvula e engrenagem – que executa
- uma tarefa ao ser fornecida a ele energia.
- Máquinas permeiam nosso cotidiano. Por exemplo, acordamos ao
- som do despertador; preparamos café usando uma cafeteira elétrica;
- conferimos nossas mensagens de correio eletrônico no computador;
- andamos de carro, ônibus, metrô, avião, trem, barco... Máquinas nos ajudam a economizar e otimizar nosso tempo, para que possamos empregá-lo
- de outras maneiras.
- Uma máquina molecular, também denominada nanomáquina – o prefi -
- xo nano (anão, em grego) indica que a máquina tem dimensões na ordem
- de um bilionésimo de metro (10
- -9
- m) –, pode ser descrita com base nos mesmos conceitos empregados para defi nir uma máquina macroscópica: dispositivo que executa determinada função ao receber um estímulo externo que
- pode ser elétrico, luminoso, químico ou térmico. Contudo, os componentes
- que formam uma nanomáquina são moléculas ou aglomerados de átomos.
- As nanomáquinas podem ser naturais ou artifi ciais. As mais importantes
- – e mais estudadas – do primeiro tipo são a proteína miosina e a enzima
- F
- 0
- F
- 1
- -ATP sintase. Esta última, formada por proteínas, é uma das máquinas
- moleculares naturais mais efi cientes conhecidas. Converte a energia que
- vem da molécula adenosina trifosfato (ou simplesmente ATP) em movimento rotacional com quase 100% de efi ciência, percentual praticamente inalcançável no reino das máquinas macroscópicas. >>>
- Modelo feito em computador
- de um diferencial molecular
- cujo funcionamento
- é baseado na peça usada
- em veículos para permitir
- que as rodas girem com
- velocidades diferentes
- nas curvas. No caso, cada
- esfera representa um átomo
- Q U Í M I C A36 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 48 | 284
- A miosina, responsável pela contração e extensão muscular, pertence a uma classe de motores lineares proteicos
- que convertem energia química em trabalho, com base
- nos movimentos coletivos de seus componentes moleculares. São máquinas biológicas complexas e sofisticadas
- cujo funcionamento é responsável por processos vitais do
- organismo.
- O primeiro protótipo Inspirados por motores proteicos naturais, cientistas – entre eles, vários químicos –
- desenvolveram nanomáquinas artificiais – daí, merecidamente, serem, por vezes, chamados arquitetos ou engenheiros do mundo molecular.
- Essas nanomáquinas de laboratório são ainda primitivas quando comparadas às naturais. Mas não podemos
- esquecer que a natureza levou milhares – ou milhões – de
- anos para que as nanomáquinas naturais pudessem realizar suas tarefas de modo eficiente.
- O norte-americano Richard Feynman (1918-1988),
- Nobel de Física de 1964, é considerado o pai da nanotecnologia. Cerca de 20 anos depois de sua palestra profética e desafiadora em 1959 (ver ‘Há muito mais espaço lá
- embaixo’), a equipe de Seiji Shinkai, da Universidade de
- Kyushu (Japão), construiu o primeiro protótipo de nanomáquina. No caso, uma molécula que funciona como uma
- chave liga-desliga acionada pela luz.
- A partir desse primeiro protótipo de nanomáquina artificial, houve progresso gigantesco nessa área de pesquis a , pr inc ipa lment e de v ido à c ombina ç ã o de f a t o r e s
- como: i) o avanço de métodos de síntese (‘fabricação’) de
- substâncias orgânicas e inorgânicas; ii) o desenvolvimento de técnicas computacionais que permitem entender os
- tipos de ligações e interações químicas presentes nos
- sistemas; iii) o avanço de técnicas analíticas para caracterizar a estrutura das moléculas.
- O grande sonho dos químicos que trabalham nessa
- área é construir nanomáquinas que sejam tão eficientes
- quanto as naturais e que executem tarefas como transporte de medicamentos para pontos específicos do corpo
- humano; localização e destruição de moléculas orgânicas
- tóxicas presentes no ar e na água; transporte mais rápido
- de informações etc.
- Pode parecer ficção científica, mas muitos sistemas
- assim já foram fabricados. Entre os mais interessantes,
- estão nanomáquinas que exercem a função de músculos
- artificiais, caminhões, rotores, elevadores, válvulas etc.
- Todas são movidas por um combustível específico, que
- pode ser químico, fotoquímico, eletroquímico ou térmico.
- Algumas dessas nanomáquinas: i) músculos moleculares artificiais, com componentes capazes de se contrair
- e se estender, com movimento similar aos músculos naturais; ii) caminhões moleculares, formados por rodas,
- chassi e eixos; iii) rotores à base de moléculas com duas
- partes que giram uma em torno da outra de forma controlada, de modo semelhante a um giroscópio; iv) nanoelevadores com plataformas moleculares que sobem e
- descem entre duas estações; v) nanoválvulas que lembram
- Figura 1. Em A, elementos básicos
- que formam um músculo natural.
- Em B, músculo artificial
- ADAPTADO DE J. AM. CHEM. SOC. 2005, 127, P. 9745 / AMERICAN CHEMICAL SOCIETY / DALTON TRANS. 2010, 39, 10.557-10.570 / THE ROYAL SOCIETY OF CHEMISTRYQ U Í M I C A
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- >>>
- reservatórios com um componente móvel que se abre e
- fecha, como uma porta, liberando seu conteúdo.
- Músculos artificiais O grupo de pesquisa de Jean-
- -Pierre Sauvage, da Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo (França), há cerca de 15 anos vem desenvolvendo nanomáquinas artificiais, explorando a química dos
- chamados metais de transição – elementos que ocupam a
- parte central da tabela periódica, como o cobre e o zinco.
- A equipe construiu um músculo artificial que pode se expandir e se contrair de modo reversível, pela simples troca
- do íon cobre pelo de zinco (figura 1). Para isso, foi sintetizada uma molécula orgânica – azul e preto na figura –,
- com uma parte linear e outra em forma de roda.
- Tanto na parte linear quanto na roda, há grupos com
- dois e três átomos de nitrogênio, respectivamente. Quando o cobre perde um elétron, ele se liga a quatro átomos
- de nitrogênio, e a molécula ganha uma forma expandida.
- Mas, ao ser substituído pelo zinco (que perdeu dois elé-
- trons), este prefere se ligar a cinco nitrogênios, e aí ocorre a contração. Para voltar a expandir a molécula, basta
- adicionar o íon cobre novamente à solução.
- Por meio de cálculos computacionais, determinou-se
- o comprimento da molécula de uma ponta a outra. Na
- forma estirada, ele é de 85 Å (angström), unidade que
- homenageia o físico sueco Anders Jonas Ångström (1814-
- 1874), igual a um centésimo de milionésimo de centímetro. Na forma contraída, o comprimento cai para 65 Å.
- Esse valor de contração corresponde a 27% daquele que
- ocorre em músculos naturais.
- Nanoveículos Do Texas (EUA), vieram nanomáquinas que se assemelham a nanocarros e nanocaminhões.
- O feito é da equipe de James Tour, da Universidade de
- Rice. Essas moléculas contêm a mecânica básica de um
- carro: rodas, chassi, eixos. E mais: são capazes de se mover sobre uma superfície quando abastecidas.
- As rodas são formadas por moléculas de carbono com
- 60 átomos desse elemento, lembrando uma bola de futebol. O chassi é formado por moléculas planas em forma
- de anéis. Os eixos são unidos às rodas por meio de ligações
- triplas de carbono que, por sua vez, são ligados ao chassi
- (figura 2A).
- HÁ MUITO MAIS ESPAÇO LÁ EMBAIXO
- Um dos primeiros cientistas a cogitar a possibilidade de construir
- nanomáquinas foi o físico norte-americano Richard Feynman
- em sua palestra ‘There is plenty of room at the bottom’ (Há muito espaço lá embaixo), em 29 de dezembro de 1959, no Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA).
- Segundo Feynman, “se pudéssemos arranjar átomos da
- maneira como desejamos, quais propriedades eles poderiam
- ter? Quem sabe? Eu não sei exatamente o que pode acontecer,
- mas tenho quase certeza de que, quando tivermos algum controle sobre como arranjar as coisas em escala molecular, conseguiremos uma gama enorme de possíveis propriedades que
- as substâncias podem ter e de coisas que poderemos fazer.”
- A palestra (em inglês) está em http://bit.ly/nREZT
- Figura 2. Em A, estrutura molecular do
- nanocaminhão. Em B, movimentos realizados sobre
- uma superfície de ouro ao ser aquecido
- ACC. CHEM. RES. 2009, 42, 473 / 2009 / 2005 AMERICAN CHEMICAL SOCIETY38 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 48 | 284
- faz o giroscópio girar sobre uma superfície sem cair, parecendo desafiar a lei da gravidade. O giroscópio é empregado para auxiliar a orientação de aeronaves.
- Inspirado por esse fascinante instrumento, Miguel
- Garcia-Garibay, da Universidade da Califórnia, em
- Los Angeles (EUA), fabricou moléculas e identificou o
- movimento rotacional delas com a forma e a função de
- giroscópios macroscópicos. Por meio de estímulo elé-
- trico, magnético ou luminoso, as moléculas sofrem rot a ç ã o de 180º t ant o no s ent ido ho r á r i o quant o ant i-
- -horário. O movimento ocorre por meio das ligações
- entre átomos de carbono, que apresentam baixa barreira energética para a rotação. Esse tipo de molécula
- poderia ser empregado, por exemplo, para armazenar
- informações (figura 3B).
- Válvulas, portas e rolhas Nosso grupo de pesquisa, no Instituto de Química da Universidade Federal
- Fluminense, desenvolveu uma nanoválvula formada por
- um reservatório fechado por uma porta. Nesse reservató-
- rio, são aprisionadas moléculas de corante que podem
- sair de modo controlado quando a porta se abre.
- O nanorreservatório é formado pelo principal componente da areia, a sílica (SiO2
- ), que, no entanto, tem, nesse caso, uma estrutura peculiar: poros alinhados paralelamente com diâmetros de 3 nanômetros (ou seja, 3 bilionésimos de metro).
- Para a montagem da nanoválvula, primeiramente os
- poros da sílica foram recobertos com moléculas organometálicas (ferroceno) que servem como encaixe para a
- porta. Esta última é formada por outras moléculas orgâ-
- nicas (betaciclodextrinas) cuja estrutura lembra uma
- O movimento de um único nanocaminhão sobre a superfície de uma folha fina de ouro foi monitorado por um
- microscópio especial (chamado de varredura por tunelamento) que gera imagens de superfícies com resolução
- atômica. Ao aquecer a folha de ouro a 200
- o
- C, o nanocaminhão executa dois movimentos radicais: i) ergue uma
- de suas rodas; ii) gira duas rodas em torno do chassi (figura 2B). Contudo, o controle dos movimentos é difícil, e
- seus criadores vêm efetuando ajustes (modificações estruturais) para melhorar seu desempenho.
- O objetivo é o uso dessas nanomáquinas para o transporte de moléculas ou informações.
- Giroscópio molecular Você já brincou com um
- pião? Um giroscópio é um instrumento que executa um
- movimento semelhante ao desse brinquedo. É formado
- por um eixo e uma roda (rotor) inserida no interior de uma
- segunda roda perpendicular (figura 3A).
- Quando é aplicada uma força ao rotor, o giroscópio
- começa a girar na direção do eixo. Assim como no pião,
- há também aquele ‘bamboleio’ em torno do eixo, chamado movimento de precessão. A soma dos dois movimentos
- Figura 3. Em A, giroscópio macroscópico executando
- movimento de precessão em torno de um ponto.
- Em B, giroscópio molecular que executa movimento
- em torno da ligação carbono-carbono
- PROC. NATL. ACAD. SCI. U. S. A., 2010, 107, 14973-14977 / 2010 NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, U.S.A.Q U Í M I C A
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- Sugestões para leitura
- DUROT, Stéphanie; REVIRIEGO, Felipe; SAUVAGE, Jean-Pierre
- ‘Copper-complexed catenanes and rotaxanes in motion: 15 years of
- molecular machines’. Dalton Transactions, v. 39, p. 10.557, 2010.
- VIVES, Guillaume; TOUR, James M. ‘Synthesis of Single-Molecule Nanocars’.
- Accounts of Chemical Research, v. 42, p. 473, 2009.
- KARLEN, Steven S.; REYES, Horacio; TAYLOR, R. E.; KHAN, Saeed I.;
- HAWTHORNE, M. Frederick; GARCIA-GARIBAY, Miguel A.
- ‘Symmetry and dynamics of molecular rotors in amphidynamic
- molecular crystals’. Proceedings of the National Academy of Sciences
- U. S. A., v. 107, p. 14.973, 2010.
- SILVEIRA, Gleiciani Q.; VARGAS, Maria D.; RONCONI, Célia M.
- ‘Nanoreservoir operated by ferrocenyl linker oxidation with molecular oxygen.
- Journal of Material Chemistry, v. 21, p. 6.034, 2011.
- >> Revista Virtual de Química: http://bit.ly/qPrkqX
- NA INTERNET
- NANOMÁQUINAS E
- O AQUECIMENTO GLOBAL
- A autora deste artigo, pesquisadora do Instituto de
- Química da Universidade Federal Fluminense, trabalha
- com temas ligados à fabricação e ao funcionamento de
- nanoválvulas, nanorreservatórios e materiais funcionais
- para a captura de gases que causam efeito estufa.
- ‘rolha perfurada’. Quando a cavidade da ‘rolha’ se encaixa no ferroceno, ela fecha os poros da sílica.
- Para abrir o nanorreservatório, usamos um combustí-
- vel químico (oxigênio molecular, O2
- ), bem como a mudança da acidez do meio (pH). O primeiro oxida o ferroceno – o ácido acelera esse processo. Oxidado, o ferroceno já não se encaixa mais na cavidade da ‘rolha’, que se
- solta, abrindo os poros da sílica. Com isso, o corante aprisionado escapa para o meio (figura 4).
- Substituindo o corante por um medicamento, poderí amos empr eg ar a nanová lvul a como um c ar r eador
- de drogas para tumores malignos ou tecidos com inflama-
- ção. O fármaco seria liberado só na região doente, com a
- alteração do pH do meio – sabe-se que tumores malignos e tecidos com inflamação são levemente ácidos.
- Arsenal nos laboratórios Diversos laboratórios
- de pesquisa no mundo já contam com um arsenal de nanomáquinas fascinantes. Os exemplos apresentados
- aqui mostram enorme sofisticação em relação à estrutura e ao funcionamento desses nanodispositivos, que só
- foram construídos graças às técnicas químicas que permitem arquitetar estruturas cada vez mais complexas.
- Além disso, o avanço nas técnicas de identificação das
- formas dessas nanomáquinas permitiu investigar de maneira detalhada o funcionamento desses sistemas. O objetivo maior é o uso das nanomáquinas para executar
- tarefas na área médica, ambiental e farmacêutica.
- Muitas limitações precisam ser resolvidas. Mas a solução para isso é simples: pesquisar.
Blog criado pela acadêmica Elzamir Ferreira - Curso de História da PUC-RS.
domingo, 3 de junho de 2012
A Nanotecnologia e a Nanomáquinas...
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