terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Importância das Interações Sociais na Educação Infantil...

A IMPORTÂNCIA DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CAMINHO PARA
COMPREENDER O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Sílvia Mara da Silva*
Maria Angélica Olivo Francisco Lucas**

Introdução

Este texto é resultado do trabalho desenvolvido ao longo da
disciplina Prática de Ensino em Educação Infantil do 4º ano do Curso de
Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá, no ano letivo de 2002. As
atividades desta disciplina iniciaram com a inserção dos acadêmicos no
campo de estágio – Centros Municipais de Educação Infantil, através de
observação e participação das atividades desenvolvidas nestas instituições,
com o objetivo de conhecer sua estrutura e organização pedagógica. Esta
prática possibilitou o levantamento de uma questão (problema de pesquisa)
a ser estudada. Nas observações realizadas, nos instigou uma prática
bastante comum em instituições educativas que trabalham com crianças de
0 a 6 anos: a realização das atividades em mesas quadradas que
comportam 4 crianças.
A princípio, tínhamos a idéia de que o motivo das crianças estarem
assim distribuídas para trabalhar era conhecido, fazendo parte do senso
comum dos profissionais que atuam com esta faixa etária. No entanto, as
observações realizadas foram nos revelando que aquilo que parecia óbvio
havia se tornado uma prática institucionalizada, ou seja, feita por todos e
repetida sem que se tivesse consciência do porquê. Podemos fazer tal
afirmação por que muitas vezes esta disposição permitia que as crianças
estivessem apenas fisicamente próximas, mas não possibilitava que a
interação entre elas realmente se estabelecesse. Era comum ouvirmos:
“Cada um faz o seu!” “Não atrapalhe o coleguinha!” Apesar disto,
percebíamos que uma relativa interação entre as crianças acontecia, pois
um pedia para o outro o lápis de uma determinada cor, perguntava como
fazia florzinha “daquele jeito”, admiravam o desenho dos colegas. Além
disso, foi possível observar que, geralmente, o critério utilizado para formar
os quartetos estava relacionado ao comportamento das crianças e não a
possibilidade de enriquecer as interações. Outro fato observado foi que,
* Pedagoga – UEM e Terapeuta do CEADI – Santa Terezinha – Maringá-PR.
** Profa. do DTP – UEM. Mestre em Educação.
embora as atividades fossem realizadas em grupo, havia uma relativa
dificuldade dos professores em integrar os membros do grupo.
Dois caminhos foram percorridos com o objetivo de encontrar
respostas a estas questões que tanto nos instigaram. Primeiramente, foi
elaborado um projeto de pesquisa que foi desenvolvido, no decorrer do ano
letivo e no desenrolar das demais atividades da disciplina Prática de Ensino
em Educação Infantil, cujos resultados estão aqui apresentados. Num
segundo momento, uma oficina pedagógica de modelagem foi planejada e
desenvolvida com o objetivo de promover uma atividade significativa para
crianças de diferentes faixas etárias, que propiciasse uma troca efetiva de
informações e interações.

A Importância das Interações Sociais

Neste trabalho, nos propomos a pensar sobre a importância das
interações sociais no trabalho de cuidar e educar as crianças de 0 a 6 anos
que ficam em instituições para este fim tendo como referencial os
pressupostos básicos da teoria histórico-cultural, aqui representada pelo
pensamento de Vygotsky (1896–1934). A discussão dessa teoria nos
remete a constituição do ser humano que implica no relacionamento com o
outro, uma vez que são as interações sociais que fornecem a matéria-prima
para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Oliveira (1997, p. 10) afirma que este desenvolvimento constitui-se
um processo de transformação, pois “primeiramente o indivíduo realiza
ações externas que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de
acordo com os significados culturalmente estabelecidos à suas próprias
ações e assim desenvolve os seus processos psicológicos internos”. Este
processo foi denominado por Vygotsky como internalização, ou seja,
reconstrução interna de uma operação externa.
Vygotsky (1989, p.64) assevera-nos que “todas as funções no
desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social,
e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e,
depois, no interior da criança (intrapsicológica)”. Para ele, as origens da vida
consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas na interação
do organismo com as condições de vida social e nas formas históricosociais
da espécie humana, procurando analisar o reflexo do mundo exterior
no mundo interior dos indivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a
realidade.
A concepção vygotskyana tem como princípio a dimensão sóciohistórica
do psiquismo onde, o pensamento é construído aos poucos. Esta
abordagem procura explicar o desenvolvimento humano considerando a
história. “O objetivo central desta teoria é caracterizar aspectos tipicamente
humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas
características se formam ao longo da história humana e como se
desenvolvem durante a vida do indivíduo”, afirma Vygotsky, (1995, p. 38).
Assim, ao mesmo tempo em que o homem transforma o seu meio, ele
transforma a si mesmo. Portanto, o desenvolvimento humano ocorre através
de trocas recíprocas entre o indivíduo e o meio, influindo um sobre o outro,
continuamente.
Segundo a abordagem histórico-cultural a criança nasce em um
mundo humano e aos poucos vai se adequando aos objetivos e fenômenos
de seu meio cultural1. Segundo Fontana e Cruz (1997, p. 57), “seus modos
de perceber, representar, se explicar e de atuar sobre o meio, seus
sentimentos em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu
mundo psicológico, vão se constituindo nas suas relações sociais”. Desde o
nascimento da criança ocorre um processo de interação com os adultos que
compartilham com ela o seu modo de viver. Existe, portanto, uma contínua
interação entre as condições sócio-culturais e a base biológica do
comportamento humano. Por esta razão, para Vygotsky, não existe uma
seqüência universal de estágios cognitivos. É a interação do indivíduo com
o meio a característica definidora da constituição humana. Esta constituição
depende do desenvolvimento de funções mentais superiores que são
“mecanismos intencionais, ações conscientes controladas, processos
voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em
relação às características do momento e espaço presente” (Rego, 1994, p.
39).
A teoria vygotskyana considera que para compreender o
desenvolvimento é necessário partir daquilo que a criança consegue realizar
sozinha. Isto é denominado de nível de desenvolvimento real, ou seja,
capacidade de realizar as atividades sem ajuda de outro. Oliveira (1997,
p.59) afirma que o “nível de desenvolvimento real da criança caracteriza o
desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, se refere-se as etapas já
conquistadas pela criança”. O nível de desenvolvimento potencial se refere
a capacidade da criança desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou
companheiros mais capazes. O conceito de “zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), refere-se a distância entre aquilo que a criança é capaz de
fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela
realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social”.
(Rego, 1997, p. 73).
É na zona de desenvolvimento proximal que as funções
psicológicas amadurecem para se consolidar em seu nível de
desenvolvimento real. São os adultos e as crianças mais experientes que
colaboram para que este processo de maturação ocorra. É possível afirmar
que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que
1 Os fenômenos de seu meio cultural aqui são entendidos como seus modos de
perceber, representar, explicar-se e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em
relação ao mundo, ao outro e a si mesmo.
realiza num determinado grupo cultural. Por isso, a mediação como
processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação
constitui um elemento fundamental para o processo de desenvolvimento.
Em outras palavras: ela é o instrumento que promove o aprendizado e
impulsiona o desenvolvimento humano. Esta possibilidade de alteração do
desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é um dos
pressupostos fundamentais da teoria vygotskyana.

A Mediação no Processo de Ensino-Aprendizagem

Os centros de educação infantil são por excelência o local onde a
vida coletiva favorece as interações em grupo, pois são ambientes que
recebem, constantemente, influências das condições sócio-culturais,
determinantes do processo de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças. Nas palavras de Abramowiz (1995, p. 39): “A creche é um espaço
de socialização de vivências e interações”. Neste espaço as interações
traduzem-se por atividades diárias que as crianças realizam com a
companhia de outras crianças sob a orientação de um professor. A partir da
compreensão de que estas situações contribuem para o processo de
aprendizagem e desenvolvimento infantil, é possível o professor e demais
profissionais da Educação Infantil redimensionar a sua prática pedagógica e
re-significar o papel da interação na educação infantil.
Ao apresentar os pressupostos vygotskyanos do processo ensinoaprendizagem,
é nossa intenção destacar a importância de valorizar a
mediação neste processo, e trazer reflexões para a prática dos professores
que atuam na Educação Infantil. Diante das premissas básicas
apresentadas acima, o papel do professor muda radicalmente, pois o coloca
além do centro do processo, como aquele que ensina enquanto as crianças
aprendem passivamente; e além da postura de aguardar que as crianças
digam o que, como e quando querem aprender. Ao contrário, de acordo
com a perspectiva aqui defendida, o professor torna-se o agente mediador
do processo de ensino-aprendizagem, propondo desafios às crianças a
orientando-as a resolvê-los. Assim, por meio de intervenções, o professor
pode contribuir para o fortalecimento de funções que ainda não estão
consolidadas, e para o desenvolvimento de outras. Este processo torna-se
mais rico, sobretudo na Educação Infantil, quando são proporcionadas
atividades grupais, em que os alunos mais adiantados poderão cooperar
com os demais.
Esta concepção rompe com a idéia de que o aluno deve descobrir
sozinho as respostas, e principalmente que a aprendizagem é uma
atividade individual e independente do grupo cultural. A aprendizagem
escolar implica uma constante reorganização de experiências, por isso é
importante que o professor tenha domínio do quanto a criança ainda
necessita para chegar a produzir determinadas atividades com autonomia.
O professor poderá avaliar não apenas as aquisições conceituais por parte
das crianças, mas também o nível e o tipo de interação que ele, como
membro mais experiente do grupo está proporcionando ao desenvolver o
trabalho pedagógico.

Amassando, Modelando e Interagindo: Relato de uma Experiência

O plano de trabalho da disciplina Prática de Ensino em Educação
Infantil previa a organização de uma oficina pedagógica para a qual tivemos
liberdade de escolher o tema a ser desenvolvido: modelagem com argila.
Nosso objetivo foi desenvolver um trabalho de modelagem tendo como
referência os estudos que estávamos realizando no projeto de pesquisa. O
critério utilizado para tal escolha foi a possibilidade de promover interações
por meio de uma atividade significativa tanto para as crianças menores (2 a
3 anos), quanto para as maiores (5-6 anos).
Para tanto, foi necessário planejar diversas intervenções que
atendessem à diferença de idade das diferentes turmas, uma de cada vez.
As crianças eram acomodas em bancos colocados sobre longas mesas de
forma que cada uma estivesse sempre ladeada e a frente de outras,. Isso
facilitou a troca de informações que as vezes acontecia de forma verbal, e
outras vezes apenas por meio da observação do que o outro estava
fazendo com seu pedaço de argila.
Para a maioria das crianças, esta era a primeira vez que
“brincavam” com argila. Em quase todas as turmas, foi necessário explicar o
que era argila, para que ela servia, em que era utilizada. Algumas crianças
afirmavam: “É igual barro!” Outras, a princípio apresentaram um pouco de
receio em “mexer” na argila, trabalhando com as pontinhas dos dedos,
havendo até quem perguntasse se era “cocô”. Após amassarem e
modelarem o que desejavam, e conversarem com os colegas vizinhos sobre
o que estavam fazendo, cada criança colocou seu trabalho numa bandeja
feita de caixa de leite com uma etiqueta com seu nome. Por fim, os
trabalhos de todas as turmas ficaram expostos para que os demais
pudessem verificar o que os outros fizeram com argila.
A elaboração deste trabalho possibilitou a reflexão e a ampliação de
nossos conhecimentos sobre a possibilidade de desenvolver atividades
significativas com crianças de 0 a 6 anos em instituições educativas com o
objetivo de promover interações aluno-aluno e aluno-professor.
Pode-se afirmar que a vivência com outras crianças e adultos nos
centros de educação infantil, é importante para o desenvolvimento infantil,
pois provoca novas experiências, permite adquirir novos hábitos, atitudes,
valores e também a linguagem daqueles que interagem com a criança. É
desta forma que os seres humanos se integram na história e na cultura de
uma determinada forma de organização social.
Ficou claro que promover interações é muito mais do que aproximar
fisicamente as crianças e que a disposição das carteiras, mesas e cadeiras
é apenas uma condição que pode facilitar tal tarefa. Muito mais do que a
organização do ambiente, é necessário que o professor e demais
profissionais que atuam na educação infantil conheçam as premissas
básicas da teoria histórico-cultural sobre o processo de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças, e em razão disso, se reconheçam como os
membros mais experientes de um grupo cujas funções são a promoção de
interações e a mediação do conhecimento.
Referências
ABRAMOWIZ, A. e WAGKOP, G. Creche: atividades para crianças de zero a seis
anos. São Paulo: Moderna, 1995.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sóciohistórico.
São Paulo: Scipione, 1993.
REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de
Janeiro: Vozes, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
1988.

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