terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Importância das Interações Sociais na Educação Infantil...

A IMPORTÂNCIA DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CAMINHO PARA
COMPREENDER O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Sílvia Mara da Silva*
Maria Angélica Olivo Francisco Lucas**

Introdução

Este texto é resultado do trabalho desenvolvido ao longo da
disciplina Prática de Ensino em Educação Infantil do 4º ano do Curso de
Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá, no ano letivo de 2002. As
atividades desta disciplina iniciaram com a inserção dos acadêmicos no
campo de estágio – Centros Municipais de Educação Infantil, através de
observação e participação das atividades desenvolvidas nestas instituições,
com o objetivo de conhecer sua estrutura e organização pedagógica. Esta
prática possibilitou o levantamento de uma questão (problema de pesquisa)
a ser estudada. Nas observações realizadas, nos instigou uma prática
bastante comum em instituições educativas que trabalham com crianças de
0 a 6 anos: a realização das atividades em mesas quadradas que
comportam 4 crianças.
A princípio, tínhamos a idéia de que o motivo das crianças estarem
assim distribuídas para trabalhar era conhecido, fazendo parte do senso
comum dos profissionais que atuam com esta faixa etária. No entanto, as
observações realizadas foram nos revelando que aquilo que parecia óbvio
havia se tornado uma prática institucionalizada, ou seja, feita por todos e
repetida sem que se tivesse consciência do porquê. Podemos fazer tal
afirmação por que muitas vezes esta disposição permitia que as crianças
estivessem apenas fisicamente próximas, mas não possibilitava que a
interação entre elas realmente se estabelecesse. Era comum ouvirmos:
“Cada um faz o seu!” “Não atrapalhe o coleguinha!” Apesar disto,
percebíamos que uma relativa interação entre as crianças acontecia, pois
um pedia para o outro o lápis de uma determinada cor, perguntava como
fazia florzinha “daquele jeito”, admiravam o desenho dos colegas. Além
disso, foi possível observar que, geralmente, o critério utilizado para formar
os quartetos estava relacionado ao comportamento das crianças e não a
possibilidade de enriquecer as interações. Outro fato observado foi que,
* Pedagoga – UEM e Terapeuta do CEADI – Santa Terezinha – Maringá-PR.
** Profa. do DTP – UEM. Mestre em Educação.
embora as atividades fossem realizadas em grupo, havia uma relativa
dificuldade dos professores em integrar os membros do grupo.
Dois caminhos foram percorridos com o objetivo de encontrar
respostas a estas questões que tanto nos instigaram. Primeiramente, foi
elaborado um projeto de pesquisa que foi desenvolvido, no decorrer do ano
letivo e no desenrolar das demais atividades da disciplina Prática de Ensino
em Educação Infantil, cujos resultados estão aqui apresentados. Num
segundo momento, uma oficina pedagógica de modelagem foi planejada e
desenvolvida com o objetivo de promover uma atividade significativa para
crianças de diferentes faixas etárias, que propiciasse uma troca efetiva de
informações e interações.

A Importância das Interações Sociais

Neste trabalho, nos propomos a pensar sobre a importância das
interações sociais no trabalho de cuidar e educar as crianças de 0 a 6 anos
que ficam em instituições para este fim tendo como referencial os
pressupostos básicos da teoria histórico-cultural, aqui representada pelo
pensamento de Vygotsky (1896–1934). A discussão dessa teoria nos
remete a constituição do ser humano que implica no relacionamento com o
outro, uma vez que são as interações sociais que fornecem a matéria-prima
para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Oliveira (1997, p. 10) afirma que este desenvolvimento constitui-se
um processo de transformação, pois “primeiramente o indivíduo realiza
ações externas que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de
acordo com os significados culturalmente estabelecidos à suas próprias
ações e assim desenvolve os seus processos psicológicos internos”. Este
processo foi denominado por Vygotsky como internalização, ou seja,
reconstrução interna de uma operação externa.
Vygotsky (1989, p.64) assevera-nos que “todas as funções no
desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social,
e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e,
depois, no interior da criança (intrapsicológica)”. Para ele, as origens da vida
consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas na interação
do organismo com as condições de vida social e nas formas históricosociais
da espécie humana, procurando analisar o reflexo do mundo exterior
no mundo interior dos indivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a
realidade.
A concepção vygotskyana tem como princípio a dimensão sóciohistórica
do psiquismo onde, o pensamento é construído aos poucos. Esta
abordagem procura explicar o desenvolvimento humano considerando a
história. “O objetivo central desta teoria é caracterizar aspectos tipicamente
humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas
características se formam ao longo da história humana e como se
desenvolvem durante a vida do indivíduo”, afirma Vygotsky, (1995, p. 38).
Assim, ao mesmo tempo em que o homem transforma o seu meio, ele
transforma a si mesmo. Portanto, o desenvolvimento humano ocorre através
de trocas recíprocas entre o indivíduo e o meio, influindo um sobre o outro,
continuamente.
Segundo a abordagem histórico-cultural a criança nasce em um
mundo humano e aos poucos vai se adequando aos objetivos e fenômenos
de seu meio cultural1. Segundo Fontana e Cruz (1997, p. 57), “seus modos
de perceber, representar, se explicar e de atuar sobre o meio, seus
sentimentos em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu
mundo psicológico, vão se constituindo nas suas relações sociais”. Desde o
nascimento da criança ocorre um processo de interação com os adultos que
compartilham com ela o seu modo de viver. Existe, portanto, uma contínua
interação entre as condições sócio-culturais e a base biológica do
comportamento humano. Por esta razão, para Vygotsky, não existe uma
seqüência universal de estágios cognitivos. É a interação do indivíduo com
o meio a característica definidora da constituição humana. Esta constituição
depende do desenvolvimento de funções mentais superiores que são
“mecanismos intencionais, ações conscientes controladas, processos
voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em
relação às características do momento e espaço presente” (Rego, 1994, p.
39).
A teoria vygotskyana considera que para compreender o
desenvolvimento é necessário partir daquilo que a criança consegue realizar
sozinha. Isto é denominado de nível de desenvolvimento real, ou seja,
capacidade de realizar as atividades sem ajuda de outro. Oliveira (1997,
p.59) afirma que o “nível de desenvolvimento real da criança caracteriza o
desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, se refere-se as etapas já
conquistadas pela criança”. O nível de desenvolvimento potencial se refere
a capacidade da criança desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou
companheiros mais capazes. O conceito de “zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), refere-se a distância entre aquilo que a criança é capaz de
fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela
realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social”.
(Rego, 1997, p. 73).
É na zona de desenvolvimento proximal que as funções
psicológicas amadurecem para se consolidar em seu nível de
desenvolvimento real. São os adultos e as crianças mais experientes que
colaboram para que este processo de maturação ocorra. É possível afirmar
que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que
1 Os fenômenos de seu meio cultural aqui são entendidos como seus modos de
perceber, representar, explicar-se e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em
relação ao mundo, ao outro e a si mesmo.
realiza num determinado grupo cultural. Por isso, a mediação como
processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação
constitui um elemento fundamental para o processo de desenvolvimento.
Em outras palavras: ela é o instrumento que promove o aprendizado e
impulsiona o desenvolvimento humano. Esta possibilidade de alteração do
desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é um dos
pressupostos fundamentais da teoria vygotskyana.

A Mediação no Processo de Ensino-Aprendizagem

Os centros de educação infantil são por excelência o local onde a
vida coletiva favorece as interações em grupo, pois são ambientes que
recebem, constantemente, influências das condições sócio-culturais,
determinantes do processo de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças. Nas palavras de Abramowiz (1995, p. 39): “A creche é um espaço
de socialização de vivências e interações”. Neste espaço as interações
traduzem-se por atividades diárias que as crianças realizam com a
companhia de outras crianças sob a orientação de um professor. A partir da
compreensão de que estas situações contribuem para o processo de
aprendizagem e desenvolvimento infantil, é possível o professor e demais
profissionais da Educação Infantil redimensionar a sua prática pedagógica e
re-significar o papel da interação na educação infantil.
Ao apresentar os pressupostos vygotskyanos do processo ensinoaprendizagem,
é nossa intenção destacar a importância de valorizar a
mediação neste processo, e trazer reflexões para a prática dos professores
que atuam na Educação Infantil. Diante das premissas básicas
apresentadas acima, o papel do professor muda radicalmente, pois o coloca
além do centro do processo, como aquele que ensina enquanto as crianças
aprendem passivamente; e além da postura de aguardar que as crianças
digam o que, como e quando querem aprender. Ao contrário, de acordo
com a perspectiva aqui defendida, o professor torna-se o agente mediador
do processo de ensino-aprendizagem, propondo desafios às crianças a
orientando-as a resolvê-los. Assim, por meio de intervenções, o professor
pode contribuir para o fortalecimento de funções que ainda não estão
consolidadas, e para o desenvolvimento de outras. Este processo torna-se
mais rico, sobretudo na Educação Infantil, quando são proporcionadas
atividades grupais, em que os alunos mais adiantados poderão cooperar
com os demais.
Esta concepção rompe com a idéia de que o aluno deve descobrir
sozinho as respostas, e principalmente que a aprendizagem é uma
atividade individual e independente do grupo cultural. A aprendizagem
escolar implica uma constante reorganização de experiências, por isso é
importante que o professor tenha domínio do quanto a criança ainda
necessita para chegar a produzir determinadas atividades com autonomia.
O professor poderá avaliar não apenas as aquisições conceituais por parte
das crianças, mas também o nível e o tipo de interação que ele, como
membro mais experiente do grupo está proporcionando ao desenvolver o
trabalho pedagógico.

Amassando, Modelando e Interagindo: Relato de uma Experiência

O plano de trabalho da disciplina Prática de Ensino em Educação
Infantil previa a organização de uma oficina pedagógica para a qual tivemos
liberdade de escolher o tema a ser desenvolvido: modelagem com argila.
Nosso objetivo foi desenvolver um trabalho de modelagem tendo como
referência os estudos que estávamos realizando no projeto de pesquisa. O
critério utilizado para tal escolha foi a possibilidade de promover interações
por meio de uma atividade significativa tanto para as crianças menores (2 a
3 anos), quanto para as maiores (5-6 anos).
Para tanto, foi necessário planejar diversas intervenções que
atendessem à diferença de idade das diferentes turmas, uma de cada vez.
As crianças eram acomodas em bancos colocados sobre longas mesas de
forma que cada uma estivesse sempre ladeada e a frente de outras,. Isso
facilitou a troca de informações que as vezes acontecia de forma verbal, e
outras vezes apenas por meio da observação do que o outro estava
fazendo com seu pedaço de argila.
Para a maioria das crianças, esta era a primeira vez que
“brincavam” com argila. Em quase todas as turmas, foi necessário explicar o
que era argila, para que ela servia, em que era utilizada. Algumas crianças
afirmavam: “É igual barro!” Outras, a princípio apresentaram um pouco de
receio em “mexer” na argila, trabalhando com as pontinhas dos dedos,
havendo até quem perguntasse se era “cocô”. Após amassarem e
modelarem o que desejavam, e conversarem com os colegas vizinhos sobre
o que estavam fazendo, cada criança colocou seu trabalho numa bandeja
feita de caixa de leite com uma etiqueta com seu nome. Por fim, os
trabalhos de todas as turmas ficaram expostos para que os demais
pudessem verificar o que os outros fizeram com argila.
A elaboração deste trabalho possibilitou a reflexão e a ampliação de
nossos conhecimentos sobre a possibilidade de desenvolver atividades
significativas com crianças de 0 a 6 anos em instituições educativas com o
objetivo de promover interações aluno-aluno e aluno-professor.
Pode-se afirmar que a vivência com outras crianças e adultos nos
centros de educação infantil, é importante para o desenvolvimento infantil,
pois provoca novas experiências, permite adquirir novos hábitos, atitudes,
valores e também a linguagem daqueles que interagem com a criança. É
desta forma que os seres humanos se integram na história e na cultura de
uma determinada forma de organização social.
Ficou claro que promover interações é muito mais do que aproximar
fisicamente as crianças e que a disposição das carteiras, mesas e cadeiras
é apenas uma condição que pode facilitar tal tarefa. Muito mais do que a
organização do ambiente, é necessário que o professor e demais
profissionais que atuam na educação infantil conheçam as premissas
básicas da teoria histórico-cultural sobre o processo de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças, e em razão disso, se reconheçam como os
membros mais experientes de um grupo cujas funções são a promoção de
interações e a mediação do conhecimento.
Referências
ABRAMOWIZ, A. e WAGKOP, G. Creche: atividades para crianças de zero a seis
anos. São Paulo: Moderna, 1995.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sóciohistórico.
São Paulo: Scipione, 1993.
REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de
Janeiro: Vozes, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
1988.

O Mundo e as sua influências culturais, políticas, econômicas e religiosas... Sob o Olhar de Peter

Análise sobre o Olhar de Peter Demant

O autor – Peter Demant nasceu em Amsterdã, Holanda, em 1951. Historiador, especialista em questões do Oriente Médio, obteve seu doutorado em 1988, na Universidade de Amsterdã, com dissertação sobre a colonização israelense dos territórios palestinos entre 1967 e 1977.
Morou em Jerusalém de 1990 a 1998, onde foi pesquisador sênior do The Harry S. Truman Research Institute for the Advancement of Peace, na Universidade Hebraica, e esteve ativamente envolvido nos diálogos entre acadêmicos israelenses e palestinos. Desde 1999 mora no Brasil, onde é professor-doutor no departamento de História da USP, lecionando Relações Internacionais e História da Ásia.


Nos últimos quinze anos, dezenas de livros têm sido publicados em inglês, francês e alemão sobre o mundo muçulmano e seu complexo relacionamento com o Ocidente.
Desde os atentados terroristas contra as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, o que antes era um rio se transformou em cachoeira. No entanto, até aqui, infelizmente pouco ou quase nada de relevante se publicou em português sobre o tema. Este livro espera contribuir para preencher tão incômoda lacuna. Seu objetivo é proporcionar ao leitor brasileiro uma idéia geral da civilização do islã, tornar compreensível como e por que parcelas significativas do mundo muçulmano vêm se radicalizando, politizando sua religião e agredindo o Ocidente – uma violência que, da perspectiva dos fundamentalistas, constitui apenas uma merecida e justificável resposta às agressões recebidas.
O futuro da humanidade dependerá, em ampla medida, do êxito ou do fracasso coletivo em lidar com a dificuldade da coexistência entre as diferenças. E poucas diversidades colocam-nos um desafio mais urgente do que o fundamentalismo muçulmano. Acredito que possamos evitar o anunciado “choque das civilizações” entre o Ocidente e o islã, uma guerra na qual todos nós sofreremos, desde que ambos os lados façam as concessões e os esforços necessários. A primeira tarefa, imprescindível, é exercitar a compreensão. Ao Ocidente, cabe entender como a riqueza histórica do mundo muçulmano se vincula à sua ira atual – e como o próprio mundo ocidental é cúmplice, de certa forma, da crise contemporânea do islã. Um entendimento da dinâmica interna do mundo muçulmano, assim como de sua interação com os povos vizinhos, constitui o primeiro passo para desenhar políticas mais compassivas, e mais efetivas, frente a ele.
O mundo muçulmano abrange, nos dias de hoje, cerca de 1,3 bilhão de seres humanos, um quinto da humanidade com o qual precisamos inevitavelmente repensar a convivência. Eles se encontram concentrados um vasto arco, que se estende da África ocidental até a Indonésia, passando pelo Oriente Médio e a Índia.
Em muitos países desta vasta região, os muçulmanos constituem a maioria da população local e, em outros, importantes minorias. Tal mundo é naturalmente muito diverso quanto às suas histórias, nações e etnias, línguas, maneiras de viver consigo mesmo, com seu meio ambiente e com seus vizinhos. Em comum, porém, todos os povos do mundo muçulmano têm um único e decisivo fator: o islã. Muito embora a própria religião seja para eles experienciada e praticada das mais diversas maneiras.
Há contrastes não apenas nas formas visíveis, rituais e sociais, mas até no núcleo das crenças e na maneira de aplicá-las à sociedade. Não poderia ter sido de outra forma. Como veremos na primeira das três partes que compõem este livro, o islã surgiu há mais de 1.400 anos e se espalhou por três continentes e inúmeras sociedades, encontrando condições vastamente diferentes entre si.
Desde já, entretanto, faz-se necessário esclarecer a grande confusão terminológica que cerca nosso tema. Em primeiro lugar, o termo muçulmano refere-se a um fenômeno sociológico, enquanto islâmico diz respeito especificamente à religião.
Desta maneira, por exemplo, pode-se afirmar que o Paquistão possui uma maioria muçulmana; mas nem por isso é um Estado islâmico. Islamismo e islamista, por sua vez, são utilizados para definir o movimento religioso radical do islã político, inspiração do que também se chama popularmente de fundamentalismo muçulmano.
É, portanto, confuso e incorreto usar o termo islamismo como sinônimo de islã, como acontece ocasionalmente em português.
O termo islã é usado ainda para definir determinadas áreas geográficas e civilizacionais, como a península arábica ou o chamado Oriente Médio, onde a religião islâmica é predominante. Na verdade, se a palavra árabe refere-se a um povo específico, Oriente Médio diz respeito a uma região geográfica em particular e islã, como vimos, a uma religião. Toda essa confusão tem origem no caráter total do islã, que é mais do que um simples corpo de crenças, mas algo que influencia e determina (ou pelo menos pretende determinar) toda a vida social e mesmo as esferas da economia, da política e das relações internacionais. Ainda hoje há forte sobreposição dessas definições: afinal, raciocina-se, os árabes moram no Oriente Médio e são majoritariamente muçulmanos. Entretanto, existem no Oriente Médio importantes nações muçulmanas de povos não-árabes, como os turcos e curdos, e mesmo nações não predominantemente muçulmanas, como Israel, cuja população é majoritariamente judaica.
Originalmente, os termos “árabe” e “muçulmano” coincidiam: de fato, restritos à península da Arábia, os árabes se tornaram quase todos muçulmanos. Num segundo momento, contudo, a expansão dessa população criou a esfera cultural do Oriente Médio, que adotou amplamente o idioma arábico e, em sua maioria, abraçou o islã. A essa altura, o mundo muçulmano e o chamado Oriente Médio é que eram coincidentes. Em um terceiro momento, o islã conquistou adeptos em outras partes do planeta. Assim, o Oriente Médio se reduziu a mais uma região, entre outras tantas, do mundo muçulmano – ainda que aquela com o maior peso ideológico, pelo fato da revelação e da atuação do profeta Maomé terem ocorrido ali. E também por terem partido de lá as primeiras expansões e por ser o árabe a língua sagrada do Alcorão1.
Aliás, o próprio termo Oriente Médio, usado para definir a região geográfica que é hoje o lar de cerca de 400 milhões de muçulmanos, comporta discussões. O termo (do inglês Middle East) é evidentemente de cunho eurocentrista e data, justamente, do século XIX, época em que o império britânico controlou os mares e um quarto da Terra.
De todo modo, situado historicamente na encruzilhada de múltiplas influências, o Oriente Médio – expressão que utilizaremos neste livro, uma vez que já foi consagrada e incorporada ao uso geral – foi durante séculos a plataforma giratória e o ponto de comunicação, mantido por caravanas terrestres e linhas marítimas, entre a Europa e as civilizações mais orientais da Índia, da China e do sudeste asiático.
Assim, não há dúvidas de que essa é a região mais complexa do mundo muçulmano, em termos das suas identidades coletivas, problemas políticos e conflitos étnico-religiosos. A interação histórica com outros povos, que nos séculos mais recentes tomou a forma de intervenções ocidentais mais diretas, fez da região exatamente um dos centros mais expressivos do sentimento anti-ocidental. Nas últimas décadas, o Oriente Médio (árabe em particular), tem sido a área de atuação da maioria dos pensadores e ativistas fundamentalistas. O Oriente Médio continua funcionando, assim, como ímã de tensões internacionais.
Por todos esses motivos, este livro dedica uma atenção especial a tal fração do mundo muçulmano. Contudo, é sempre bom ter em mente que, numericamente falando, menos de 30% de todos os muçulmanos no planeta se encontram ali. Na verdade, o mundo muçulmano se divide em quatro grandes blocos, geográfica e culturalmente distintos. Além do Oriente Médio, ou seja, do bloco médio-oriental, há ainda o indiano, o malaio e o africano, todos devidamente detalhados e situados historicamente na primeira parte deste volume. Essas quatro regiões englobam mais de 95% de todos os muçulmanos do mundo. Observam-se aí, de antemão, dois elementos cruciais. Por um lado, a citada interação com diferentes civilizações caminhou no sentido contrário à teoria do islã, que prescreve a unidade de todos os fiéis numa única umma (ummah, comunidade), o que também pressuporia uma unidade política. Mas, ao contrário, a diversidade das experiências fez com que o mundo muçulmano tenha sempre sido, e continue a ser, muito dividido.
Por outro lado, a grande maioria dos muçulmanos vive no terceiro mundo. Em outras palavras, é pobre. Num passado glorioso, as sociedades muçulmanas foram ricas e poderosas. Como veremos, sua decadência a um estado de impotência e exploração constitui parte integrante da história da colonização: é a contrapartida da emergência do Ocidente. Com economias controladas por pequenas elites, regimes não-representativos e autoritários, altas taxas de crescimento populacional e altos níveis de expectativas – frustradas –, várias dessas sociedades muçulmanas aprofundam sua crítica ao Ocidente, acusado de manter as estruturas da desigualdade.
Este livro discorre mais sobre muçulmanos do que sobre o islã, ou seja, mais sobre grupos humanos específicos, suas histórias e os desafios que eles enfrentam hoje do que sobre questões teológicas. Sua abordagem é, em primeiro lugar, antropológica, histórica e política. Essa, contudo, é uma diferenciação artificial, didática, pois tanto as dificuldades quanto as possíveis opções para lidar com elas têm, pelo menos parcialmente, sua raiz na religião. Para verificar isso, basta pensar nos acirrados debates sobre o papel das leis da religião (a chamada xaria) na vida pública e privada em países como Egito, Turquia ou Irã. Ou nos movimentos terroristas que, fundamentados na sua leitura do islã, estão violentamente desestabilizando regimes e Estados que consideram corruptos ou hostis chegando a ameaças à própria convivência internacional. Ou ainda naqueles grupos e pensadores menos conhecidos que, do Marrocos à Malásia, inspiram-se na mesma religião para lutar em prol da democracia e do diálogo pacífico com outras civilizações. Em todos esses exemplos, a religião é ponto de partida, ainda que para propostas e propósitos diferentes. Portanto, para entender o mundo muçulmano hoje, assunto da segunda parte deste volume, torna-se imprescindível compreender sua religião.
O islã, como o cristianismo, é uma fé expansionista e monopolista da verdade. Os consecutivos impérios árabes e muçulmanos expandiram a fé muçulmana, a língua árabe e padrões culturais comuns. Hoje, perto de 95% da população do Oriente Médio é muçulmana. No entanto, quando o islã ali chegou, possivelmente 95% era cristã. A diminuição do cristianismo na zona de seu nascimento gerou um conflito duradouro entre essas duas religiões rivais. Nos últimos duzentos anos, a influência do cristianismo também diminuiu na Europa, mas a relação antagônica com o Oriente Médio só se exacerbou por fatores econômicos e geopolíticos. Os Estados muçulmanos do Oriente Médio se enfraqueceram; mas a região cresceu em importância estratégica – afinal, muito do petróleo do mundo está lá – e tornou-se espaço privilegiado para as rivalidades com e entre as potências européias.
A justaposição de tantos fatores – religiosos, estratégicos e econômicos – explica por que o Oriente Médio capta tanta atenção de políticos, jornalistas e da opinião pública internacional. As populações muçulmanas procuram reconquistar sua posição, outrora influente, no planeta. Tais reivindicações desafiam os interesses vitais das potências ocidentais e, por extensão, de todos os países capitalistas desenvolvidos do primeiro mundo. O resultado é que essa luta é o drama central das relações internacionais hoje. É uma luta que assume cada vez mais uma cor religiosa e é isso que ameaça transformar um mero confronto de interesses em um “choque de civilizações”.
O confronto do islã com “a modernidade” também será tratado na segunda parte deste livro. A “volta à religião” é um fenômeno internacional que se observa entre cristãos e judeus tanto quanto entre muçulmanos. Não há dúvida de que o mundo muçulmano, no Oriente Médio em particular, estava pouco preparado para os controles políticos e econômicos – e para a invasão cultural – que as potências ocidentais conseguiram impor graças à sua supremacia militar. Tal supremacia, contudo, foi em si mesma um efeito colateral da modernização efetuada nas sociedades ocidentais pelas revoluções políticas e industriais, iniciadas no final do século XVIII.
Quando os muçulmanos se viram confrontados pela superioridade ocidental, a humilhação foi provavelmente maior do que a sofrida por outras civilizações, pois o islã considera uma impossibilidade teológica a tentativa de equiparar-se, nesses termos, ao Ocidente. Houve dois tipos de reação: absorver a receita da modernidade do Ocidente e rejeitar o papel da religião; ou se refugiar num tradicionalismo religioso. Veremos como uma cadeia de derrotas militares, socioeconômicas e culturais tirou sistematicamente a legitimidade, no mundo árabe, dos regimes e projetos associados à ocidentalização. Abriu-se, então, um vácuo ideológico, que continua até hoje e está sendo preenchido pelos proponentes do projeto alternativo, o fundamentalismo muçulmano. A lógica desse pensamento auto-referencial é simples: “perdemos não porque somos religiosos demais e não modernos o bastante; mas porque tentamos imitar o Ocidente e esquecemos a religião. Deus nos abandona porque nós abandonamos a Ele”.
A rejeição do modelo ocidental pelos pensadores islamistas é abrangente, incluindo não apenas uma crítica da “injusta” atuação das potências cristãs, como também uma recusa de seus modos sociais “dissolutos” que “infectam” o mundo muçulmano. Baseando-se numa leitura específica das fontes religiosas, islamistas desenvolvem um projeto para uma sociedade melhor, igual à primeira sociedade islâmica, estabelecida pelo fundador do islã, o profeta Maomé. Trata-se na verdade de uma “utopia ao contrário”. Contudo, o que mais surpreende e diferencia o islamismo dos tradicionalismos anteriores é principalmente a adoção seletiva de tecnologias ocidentais, do rádio e tevê até às armas de destruição em massa.
O fundamentalismo não é um movimento unificado (ainda que a unidade dos muçulmanos esteja sempre estampada em sua bandeira); difere de país a país, de um período a outro, mas só tem crescido. Os últimos capítulos deste livro analisam essa diferenciação e expansão – e consideram suas possíveis implicações. O islamismo conquistou uma certa influência em países como o Egito ou a Síria nos anos 70, mas só ganhou notoriedade internacional pela revolução xiita no Irã e pelos primeiros seqüestros e homens-bomba no Líbano. Desde os anos 80, desmentindo as previsões, expande-se continuamente, e se torna cada vez mais extremista. Na década de 1990, assistimos a uma explosão de incidentes violentos provocados por grupos islamistas, desde a Nigéria até a Indonésia. Quando o establishment nas comunidades atingidas reage tentando restabelecer a ordem, muitas vezes com apoio ocidental, civis inocentes sofrem as conseqüências, e os terroristas tendem a radicalizar ainda mais a sua ação. De modo paradoxal, as políticas oficiais usadas para reprimir a violência se tornam instrumentos em favor dos fundamentalistas.
Como então o Ocidente precisa – e pode – reagir? Há verdadeiramente perigo ou só exageros sensacionalistas? O islã é uma religião violenta ou os islamistas nos apresentam uma corrupção da bela tradição que no passado enriqueceu o Oriente – e que poderia voltar a fazê-lo? As respostas dependerão de mudanças internas no islã que podem perfeitamente ser estimuladas por meio de um diálogo entre fés e civilizações. A última parte deste livro observa os argumentos contra e a favor da coexistência ou de seu oposto, o “choque dos mundos”. Numa conjuntura tão complexa, a conclusão só pode ser ambígua. Podem haver, contudo, algumas lições.
A primeira é a de que o islã é, em potência, mais flexível do que se pensa; permite e precisa do diálogo com o outro. Da mesma maneira, para não mergulhar numa guerra de religiões sem saída, o Ocidente também precisa dessa comunicação.
Porém, com um islamismo violento que preconiza uma guerra para estabelecer o reino de Deus na Terra, não existe diálogo viável: ele constitui um crescente risco para a segurança de todos. A luta contra ele é não somente um interesse do mundo ocidental como também da grande maioria dos muçulmanos, que seriam suas primeiras vítimas. No entanto, sem transformações profundas na estrutura da desigualdade global que mantém essas populações presas num ciclo de empobrecimento e isolamento, não se conseguirá evitar a ampliação maciça do extremismo. A tarefa, portanto, é abrangente – e da maior urgência. A leitura deste livro pretende colaborar com ela.
Pelas complexidades inerentes ao assunto, escrever este livro implicou um trabalho árduo. Queria agradecer em particular o apoio inestimável de meus alunos Lívia Oushiro e Orion Klautau e da minha esposa, Eliane Rosenberg Colorni, que tornaram o texto final melhor e mais legível. A leitura atenta dos originais por parte deles foi, sem dúvida, fundamental.
Nos últimos quinze anos, dezenas de livros têm sido publicados em inglês, francês e alemão sobre o mundo muçulmano e seu complexo relacionamento com o Ocidente.
Desde os atentados terroristas contra as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, o que antes era um rio se transformou em cachoeira. No entanto, até aqui, infelizmente pouco ou quase nada de relevante se publicou em português sobre o tema. Este livro espera contribuir para preencher tão incômoda lacuna. Seu objetivo é proporcionar ao leitor brasileiro uma idéia geral da civilização do islã, tornar compreensível como e por que parcelas significativas do mundo muçulmano vêm se radicalizando, politizando sua religião e agredindo o Ocidente – uma violência que, da perspectiva dos fundamentalistas, constitui apenas uma merecida e justificável resposta às agressões recebidas.
O futuro da humanidade dependerá, em ampla medida, do êxito ou do fracasso coletivo em lidar com a dificuldade da coexistência entre as diferenças. E poucas diversidades colocam-nos um desafio mais urgente do que o fundamentalismo muçulmano. Acredito que possamos evitar o anunciado “choque das civilizações” entre o Ocidente e o islã, uma guerra na qual todos nós sofreremos, desde que ambos os lados façam as concessões e os esforços necessários. A primeira tarefa, imprescindível, é exercitar a compreensão. Ao Ocidente, cabe entender como a riqueza histórica do mundo muçulmano se vincula à sua ira atual – e como o próprio mundo ocidental é cúmplice, de certa forma, da crise contemporânea do islã. Um entendimento da dinâmica interna do mundo muçulmano, assim como de sua interação com os povos vizinhos, constitui o primeiro passo para desenhar políticas mais compassivas, e mais efetivas, frente a ele.
O mundo muçulmano abrange, nos dias de hoje, cerca de 1,3 bilhão de seres humanos, um quinto da humanidade com o qual precisamos inevitavelmente repensar a convivência. Eles se encontram concentrados num vasto arco, que se estende da África ocidental até a Indonésia, passando pelo Oriente Médio e a Índia.
Em muitos países desta vasta região, os muçulmanos constituem a maioria da população local e, em outros, importantes minorias. Tal mundo é naturalmente muito diverso quanto às suas histórias, nações e etnias, línguas, maneiras de viver consigo mesmo, com seu meio ambiente e com seus vizinhos. Em comum, porém, todos os povos do mundo muçulmano têm um único e decisivo fator: o islã. Muito embora a própria religião seja para eles experienciada e praticada das mais diversas maneiras.
Há contrastes não apenas nas formas visíveis, rituais e sociais, mas até no núcleo das crenças e na maneira de aplicá-las à sociedade. Não poderia ter sido de outra forma. Como veremos na primeira das três partes que compõem este livro, o islã surgiu há mais de 1.400 anos e se espalhou por três continentes e inúmeras sociedades, encontrando condições vastamente diferentes entre si.
Desde já, entretanto, faz-se necessário esclarecer a grande confusão terminológica que cerca nosso tema. Em primeiro lugar, o termo muçulmano refere-se a um fenômeno sociológico, enquanto islâmico diz respeito especificamente à religião.
Desta maneira, por exemplo, pode-se afirmar que o Paquistão possui uma maioria muçulmana; mas nem por isso é um Estado islâmico. Islamismo e islamista, por sua vez, são utilizados para definir o movimento religioso radical do islã político, inspiração do que também se chama popularmente de fundamentalismo muçulmano.
É, portanto, confuso e incorreto usar o termo islamismo como sinônimo de islã, como acontece ocasionalmente em português.
O termo islã é usado ainda para definir determinadas áreas geográficas e civilizacionais, como a península arábica ou o chamado Oriente Médio, onde a religião islâmica é predominante. Na verdade, se a palavra árabe refere-se a um povo específico, Oriente Médio diz respeito a uma região geográfica em particular e islã, como vimos, a uma religião. Toda essa confusão tem origem no caráter total do islã, que é mais do que um simples corpo de crenças, mas algo que influencia e determina (ou pelo menos pretende determinar) toda a vida social e mesmo as esferas da economia, da política e das relações internacionais. Ainda hoje há forte sobreposição dessas definições: afinal, raciocina-se, os árabes moram no Oriente Médio e são majoritariamente muçulmanos. Entretanto, existem no Oriente Médio importantes nações muçulmanas de povos não-árabes, como os turcos e curdos, e mesmo nações não predominantemente muçulmanas, como Israel, cuja população é majoritariamente judaica.
Originalmente, os termos “árabe” e “muçulmano” coincidiam: de fato, restritos à península da Arábia, os árabes se tornaram quase todos muçulmanos. Num segundo momento, contudo, a expansão dessa população criou a esfera cultural do Oriente Médio, que adotou amplamente o idioma arábico e, em sua maioria, abraçou o islã. A essa altura, o mundo muçulmano e o chamado Oriente Médio é que eram coincidentes. Em um terceiro momento, o islã conquistou adeptos em outras partes do planeta. Assim, o Oriente Médio se reduziu a mais uma região, entre outras tantas, do mundo muçulmano – ainda que aquela com o maior peso ideológico, pelo fato da revelação e da atuação do profeta Maomé terem ocorrido ali. E também por terem partido de lá as primeiras expansões e por ser o árabe a língua sagrada do Alcorão1.
Aliás, o próprio termo Oriente Médio, usado para definir a região geográfica que é hoje o lar de cerca de 400 milhões de muçulmanos, comporta discussões. O termo (do inglês Middle East) é evidentemente de cunho eurocentrista e data, justamente, do século XIX, época em que o império britânico controlou os mares e um quarto da Terra.
De todo modo, situado historicamente na encruzilhada de múltiplas influências, o Oriente Médio – expressão que utilizaremos neste livro, uma vez que já foi consagrada e incorporada ao uso geral – foi durante séculos a plataforma giratória e o ponto de comunicação, mantido por caravanas terrestres e linhas marítimas, entre a Europa e as civilizações mais orientais da Índia, da China e do sudeste asiático.
Assim, não há dúvidas de que essa é a região mais complexa do mundo muçulmano, em termos das suas identidades coletivas, problemas políticos e conflitos étnico-religiosos. A interação histórica com outros povos, que nos séculos mais recentes tomou a forma de intervenções ocidentais mais diretas, fez da região exatamente um dos centros mais expressivos do sentimento anti-ocidental. Nas últimas décadas, o Oriente Médio (árabe em particular), tem sido a área de atuação da maioria dos pensadores e ativistas fundamentalistas. O Oriente Médio continua funcionando, assim, como ímã de tensões internacionais.
Por todos esses motivos, este livro dedica uma atenção especial a tal fração do mundo muçulmano. Contudo, é sempre bom ter em mente que, numericamente falando, menos de 30% de todos os muçulmanos no planeta se encontram ali. Na verdade, o mundo muçulmano se divide em quatro grandes blocos, geográfica e culturalmente distintos. Além do Oriente Médio, ou seja, do bloco médio-oriental, há ainda o indiano, o malaio e o africano, todos devidamente detalhados e situados historicamente na primeira parte deste volume. Essas quatro regiões englobam mais de 95% de todos os muçulmanos do mundo. Observam-se aí, de antemão, dois elementos cruciais. Por um lado, a citada interação com diferentes civilizações caminhou no sentido contrário à teoria do islã, que prescreve a unidade de todos os fiéis numa única umma (ummah, comunidade), o que também pressuporia uma unidade política. Mas, ao contrário, a diversidade das experiências fez com que o mundo muçulmano tenha sempre sido, e continue a ser, muito dividido.
Por outro lado, a grande maioria dos muçulmanos vive no terceiro mundo. Em outras palavras, é pobre. Num passado glorioso, as sociedades muçulmanas foram ricas e poderosas. Como veremos, sua decadência a um estado de impotência e exploração constitui parte integrante da história da colonização: é a contrapartida da emergência do Ocidente. Com economias controladas por pequenas elites, regimes não-representativos e autoritários, altas taxas de crescimento populacional e altos níveis de expectativas – frustradas –, várias dessas sociedades muçulmanas aprofundam sua crítica ao Ocidente, acusado de manter as estruturas da desigualdade.
Este livro discorre mais sobre muçulmanos do que sobre o islã, ou seja, mais sobre grupos humanos específicos, suas histórias e os desafios que eles enfrentam hoje do que sobre questões teológicas. Sua abordagem é, em primeiro lugar, antropológica, histórica e política. Essa, contudo, é uma diferenciação artificial, didática, pois tanto as dificuldades quanto as possíveis opções para lidar com elas têm, pelo menos parcialmente, sua raiz na religião. Para verificar isso, basta pensar nos acirrados debates sobre o papel das leis da religião (a chamada xaria) na vida pública e privada em países como Egito, Turquia ou Irã. Ou nos movimentos terroristas que, fundamentados na sua leitura do islã, estão violentamente desestabilizando regimes e Estados que consideram corruptos ou hostis chegando a ameaças à própria convivência internacional. Ou ainda naqueles grupos e pensadores menos conhecidos que, do Marrocos à Malásia, inspiram-se na mesma religião para lutar em prol da democracia e do diálogo pacífico com outras civilizações. Em todos esses exemplos, a religião é ponto de partida, ainda que para propostas e propósitos diferentes. Portanto, para entender o mundo muçulmano hoje, assunto da segunda parte deste volume, torna-se imprescindível compreender sua religião.
O islã, como o cristianismo, é uma fé expansionista e monopolista da verdade. Os consecutivos impérios árabes e muçulmanos expandiram a fé muçulmana, a língua árabe e padrões culturais comuns. Hoje, perto de 95% da população do Oriente Médio é muçulmana. No entanto, quando o islã ali chegou, possivelmente 95% era cristã. A diminuição do cristianismo na zona de seu nascimento gerou um conflito duradouro entre essas duas religiões rivais. Nos últimos duzentos anos, a influência do cristianismo também diminuiu na Europa, mas a relação antagônica com o Oriente Médio só se exacerbou por fatores econômicos e geopolíticos. Os Estados muçulmanos do Oriente Médio se enfraqueceram; mas a região cresceu em importância estratégica – afinal, muito do petróleo do mundo está lá – e tornou-se espaço privilegiado para as rivalidades com e entre as potências européias.
A justaposição de tantos fatores – religiosos, estratégicos e econômicos – explica por que o Oriente Médio capta tanta atenção de políticos, jornalistas e da opinião pública internacional. As populações muçulmanas procuram reconquistar sua posição, outrora influente, no planeta. Tais reivindicações desafiam os interesses vitais das potências ocidentais e, por extensão, de todos os países capitalistas desenvolvidos do primeiro mundo. O resultado é que essa luta é o drama central das relações internacionais hoje. É uma luta que assume cada vez mais uma cor religiosa e é isso que ameaça transformar um mero confronto de interesses em um “choque de civilizações”.
O confronto do islã com “a modernidade” também será tratado na segunda parte deste livro. A “volta à religião” é um fenômeno internacional que se observa entre cristãos e judeus tanto quanto entre muçulmanos. Não há dúvida de que o mundo muçulmano, no Oriente Médio em particular, estava pouco preparado para os controles políticos e econômicos – e para a invasão cultural – que as potências ocidentais conseguiram impor graças à sua supremacia militar. Tal supremacia, contudo, foi em si mesma um efeito colateral da modernização efetuada nas sociedades ocidentais pelas revoluções políticas e industriais, iniciadas no final do século XVIII.
Quando os muçulmanos se viram confrontados pela superioridade ocidental, a humilhação foi provavelmente maior do que a sofrida por outras civilizações, pois o islã considera uma impossibilidade teológica a tentativa de equiparar-se, nesses termos, ao Ocidente. Houve dois tipos de reação: absorver a receita da modernidade do Ocidente e rejeitar o papel da religião; ou se refugiar num tradicionalismo religioso. Veremos como uma cadeia de derrotas militares, socioeconômicas e culturais tirou sistematicamente a legitimidade, no mundo árabe, dos regimes e projetos associados à ocidentalização. Abriu-se, então, um vácuo ideológico, que continua até hoje e está sendo preenchido pelos proponentes do projeto alternativo, o fundamentalismo muçulmano. A lógica desse pensamento auto-referencial é simples: “perdemos não porque somos religiosos demais e não modernos o bastante; mas porque tentamos imitar o Ocidente e esquecemos a religião. Deus nos abandona porque nós abandonamos a Ele”.
A rejeição do modelo ocidental pelos pensadores islamistas é abrangente, incluindo não apenas uma crítica da “injusta” atuação das potências cristãs, como também uma recusa de seus modos sociais “dissolutos” que “infectam” o mundo muçulmano. Baseando-se numa leitura específica das fontes religiosas, islamistas desenvolvem um projeto para uma sociedade melhor, igual à primeira sociedade islâmica, estabelecida pelo fundador do islã, o profeta Maomé. Trata-se na verdade de uma “utopia ao contrário”. Contudo, o que mais surpreende e diferencia o islamismo dos tradicionalismos anteriores é principalmente a adoção seletiva de tecnologias ocidentais, do rádio e tevê até às armas de destruição em massa.
O fundamentalismo não é um movimento unificado (ainda que a unidade dos muçulmanos esteja sempre estampada em sua bandeira); difere de país a país, de um período a outro, mas só tem crescido. Os últimos capítulos deste livro analisam essa diferenciação e expansão – e consideram suas possíveis implicações. O islamismo conquistou uma certa influência em países como o Egito ou a Síria nos anos 70, mas só ganhou notoriedade internacional pela revolução xiita no Irã e pelos primeiros seqüestros e homens-bomba no Líbano. Desde os anos 80, desmentindo as previsões, expande-se continuamente, e se torna cada vez mais extremista. Na década de 1990, assistimos a uma explosão de incidentes violentos provocados por grupos islamistas, desde a Nigéria até a Indonésia. Quando o establishment nas comunidades atingidas reage tentando restabelecer a ordem, muitas vezes com apoio ocidental, civis inocentes sofrem as conseqüências, e os terroristas tendem a radicalizar ainda mais a sua ação. De modo paradoxal, as políticas oficiais usadas para reprimir a violência se tornam instrumentos em favor dos fundamentalistas.
Como então o Ocidente precisa – e pode – reagir? Há verdadeiramente perigo ou só exageros sensacionalistas? O islã é uma religião violenta ou os islamistas nos apresentam uma corrupção da bela tradição que no passado enriqueceu o Oriente – e que poderia voltar a fazê-lo? As respostas dependerão de mudanças internas no islã que podem perfeitamente ser estimuladas por meio de um diálogo entre fés e civilizações. A última parte deste livro observa os argumentos contra e a favor da coexistência ou de seu oposto, o “choque dos mundos”. Numa conjuntura tão complexa, a conclusão só pode ser ambígua. Podem haver, contudo, algumas lições.
A primeira é a de que o islã é, em potência, mais flexível do que se pensa; permite e precisa do diálogo com o outro. Da mesma maneira, para não mergulhar numa guerra de religiões sem saída, o Ocidente também precisa dessa comunicação.
Porém, com um islamismo violento que preconiza uma guerra para estabelecer o reino de Deus na Terra, não existe diálogo viável: ele constitui um crescente risco para a segurança de todos. A luta contra ele é não somente um interesse do mundo ocidental como também da grande maioria dos muçulmanos, que seriam suas primeiras vítimas. No entanto, sem transformações profundas na estrutura da desigualdade global que mantém essas populações presas num ciclo de empobrecimento e isolamento, não se conseguirá evitar a ampliação maciça do extremismo. A tarefa, portanto, é abrangente – e da maior urgência. A leitura deste livro pretende colaborar com ela.
Pelas complexidades inerentes ao assunto, escrever este livro implicou um trabalho árduo. Queria agradecer em particular o apoio inestimável de meus alunos Lívia Oushiro e Orion Klautau e da minha esposa, Eliane Rosenberg Colorni, que tornaram o texto final melhor e mais legível. A leitura atenta dos originais por parte deles foi, sem dúvida, fundamental.

O ENCANTO DO PRÍNCIPE

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A Literatura Brasileira - Caio Prado e Florestan

A historiografia atual de Caio Prado e Florestan, propõe uma nova forma de ver, analisar e interrogar a realidade.
Sendo nesta visão que o enfoque dos conteudos em estudo , Os Grandes personagens na história do Brasil, o apóstolo , José de Anchieta e sua passagem junto a todo o processo cultural, economico, politico e social deste período concretiza o cenário de chegada da colonização europeia e o desenvolvimento da fase do cristianismo junto aos demais espaços e territórios.
O Brasil sofreu os mais diversos impactos desde seu inicio de história. Recebendo de herança uma burguesia e uma “corte” que pelo método da exploração até a retirada de matéria prima e as demais riquezas naturais até a concretização e imposição de novas e diversificadas idéias, costumes e cultura a nossa civilização .Os fatos e contextos variados de injustiças e outros episódios sociais e históricos mas que não apagou o saldo de sensibilidade humana que existiu em alguns de nossos personagens da história. Um exemplo desses e que podemos refletir é o a literatura nos deixou sobre José de anchieta e toda suas atividades realisadas. Conclui-se que ele foi contemplado com uma oportunidade de não só realizar certos objetivos relacionados ao que fez. Mas que era uma pessoa que tinha destaque e vontade pelo trabalho coletivo, que foi enviado como um escolhido pela ordem religiosa a que pertencia realizando todas as tarefas conforme era instruído. Foi um fiel seguidor e fazia as suas atividades com um certo desapegado e muito amor.
E, ao pensamento do karl Marx, junto ao Marxismo, conceitua que o materialismo e o socialismo cientifico, estão constituindo-se ao mesmo tempo e formam a base de uma ação. Que o materialismo histórico leva a reflexão de que a consciência dos homens é determinada pela realidade social, ou, seja pelo conjunto dos meios de produção, base real sobre a qual se eleva uma super estrutura juridica e politica e a qual correspondem formas de consciência social determinada.

Análise da Literatura no Brasil - Padre Anchieta e a cultura do Indio

 O presente estudo tem por objetivo analisar a produção literária brasileira, destacando-se a descrição do índio e do colonizador, bem como a relação entre ambos, procurando evidenciar o possível caráter amistoso ou antagônico desta relação.
            A fim de se fazer essa análise, destacou-se cinco obras literárias que tem como figuras centrais o índio e o colonizador, quer um, outro, ou ambos. As obras são Dos Feitos de Mem de Sá, do padre jesuíta José de Anchieta; Caramuru de Santa Rita Durão; Iracema de José de Alencar; Retrato do Brasil de Paulo Prado e Macunaíma de Mário de Andrade. Analisou-se tais obras na mesma ordem apresentada, primando-se pela organização cronológica de sua produção.
Pela análise geral pode-se observar que essa relação não é coincidente, diferindo-se de autor para autor.  O Anchieta descreve o índio como sendo pessoas transparentes,meigas, puras, curiosas, sem conhecimentos da escrita e rudes e por natureza selvagens valentes mas que esperavam por algo;  esperando  alguém que lhes indicassem caminhos  cativando-0s mas para isso era necessário estar de igual para igual, penetrar no mundo deles. Entender como eram os seus costumes, quais comportamentos e os interesses destas civilizações que preservavam a natureza, cultivavam a terra e tinham sua própria cultura e seus próprios meios de proteção, acreditando em um ser que estava junto da própria natureza e que fazia parte dos próprios rituais de cada uma de suas tribos.Os índios tinham interesses em aprender. Ficavam buscando e perguntando mais em todos os momentos que lhes era possíveis. O progresso chegava nestas civilizações como algo de muito admiração para eles que vinham do mato, do sertão, das suas tribos procurando compreender e sentiam-se atraídos pelas novidades apresentadas, mesmo sendo simples peça, pequenos objetos mas para eles era algo diferente e mágico.  ASSIM e o colonizador, vê no índio, um mais um modelo serviçal, que podia ser explorado pela  força para aumentar o ritmo do trabalho, da produção. E que pela ignorança, o desconhecimento,  substituída pelos novos costumes de acordo com as civilizações mais avançadas, o modelo europeu. Sendo populações consideradas atrasadas e precisando do avanço baseado na modernização essas pessoas, tribos, povos índigenas deveriam ser domesticados, servis ,obedecendo as regras estabelecidas pelos brancos e que para isso deveriam dominar ,executar e se necessário exterminar, pois o objetivo era ocupar os espaços e a cultura existentes desconsiderando qualquer experiência, conhecimento e cultura popular ali existente.  ASSADO,A relação que passou a existir entre os “ditos colonizadores” e a civilização indígenas foi de grande conflitos. Os índios não aceitavam perder suas identificações,serem escravizados ou entregar suas terras. Preservavam seus espaços, trabalhavam respeitando a natureza e tinham uma forma de produção baseado nos meios primitivos mas que não degradava a natureza. Era uma cultura baseada na subsistência das tribo e famílias.
Mas a nova   civilização, a cultura  que se formava, tornando tudo uma mera mercadoria, os conflitos portugueses e a cobiça destes junto dos franceses tornaram-se regulares. Os massacres também. Eram necessário dominar, trocar influencias e modernizar.
Oss padres Jesuita ANCHIETA juntamente com  NOBREGA convecidos de sua experiência  e inimigos da saques que os colonos estabeleciam contra os índios e não aceitando a escravidão do índio criaram uma  relação que se estabeleceu fazendo a defesa através de uma missão de paz que trouxe a alegria e foram instruindo essas pessoas, que tornaram referencia pelo seus jeitos de educadores através de amor e de justiça.
As aulas de catequeses tornaram-se as melhores atividades que esse povo poderia ter. Eram valorizados e convidados a trabalhar, aprender, dividir, polindo-os e tornando-os amigos, mais dóceis e adquirindo profissões para entrarem no mundo civilizado, fazer parte des ta nova mentalidade sem sofrerem tanto as novas transformações que estavam sendo projetadas.  Anchieta fez de sua vida uma verdadeira luta na missão de apostolo no Brasil e na divulgação da vida, dos costumes da civilização indígena existente.
Seus poemas magnirficos e seus escritos contribuíram  na parte literária dinamica, histórica e poética da relação, da religião, do cristianismo, da fé, do capital, da exploração, do domínio e da expansão colonial  da nação de ontem ao   progresso atual.
  relação entre eles apresentada seria ESSA. Já Durão descreve os mesmos, respectivamente, como X e Y, enquanto sua relação é apresentada como ASSIM; em Alencar o índio apresentado é ESSE e o colonizador ESSE OUTRO, tendo como relação ESSA, ao passo que em Prado o índio é descrito como lascivo e preguiçoso, embora o colonizador não seja apresentado com qualidades melhores, e a relação deles, de aproximação  cultura e relacionamento, teria como resultado a miscigenação. Por fim, embora Andrade descreva o índio de formas variadas em diferentes personagens, o protagonista é descrito como preguiçoso, e a relação com o colonizador é de afinidade.
Assim, ao analisar as obras citadas e a descrição apresentada tanto do índio como do colonizador, assim como sua relação, o presente estudo baseou-se em uma problemática: como explicar a diferença entre essas visões?
            Para melhor compreender essas visões e suas diferenças utilizou-se ferramentas teóricas, que permitiram fazer uma análise com base concreta. Deste modo, buscou-se passagens nas obras que ilustrassem determinado pensamento e, por fim, a relação deste com o contexto de produção da obra, em um triângulo metodológico que permeou este trabalho.